Levando a tocha olímpica em "Americano" |
Imagine
uma mulher bem vestida, penteada impecavelmente, conduzindo uma biga dourada
(carro de duas rodas movido por cavalos na época da antiguidade) puxada por quatro
porcos, em meio às ruelas da periferia de uma cidade. Cena surreal, não ? Ou
essa mesma mulher, dessa vez com um figurino de policial da tropa de choque, usando
uma focinheira, montada num cavalo pintado de vermelho, desfilando pelo centro
de Belém ?
Pois
bem, essas duas cenas inusitadas e desconcertantes fazem parte,
respectivamente, das performances “Soledade” (2013) e “Palomo” (2012) da
artista paraense Berna Reale e podem ser conferidas até o dia 8 de dezembro, no
Museu de Arte do Rio (MAR), dentro da individual “Vazio de Nós”.
Composta
por cinco performances para vídeo- completam a exposição, “Ordinário” (2013),
“Sem/Título” (2011) e “Americano” (2013)- e sob a curadoria de Daniela Labra, “Vazio
de Nós” reflete sobre o mundo e a vulnerabilidade humana, discutindo crimes de
toda ordem, condições de pobreza e violência social contra indivíduos de zonas
marginalizadas.
No
vídeo mais impressionante da individual montada, no piso inferior do Pavilhão
de Exposições do MAR, Berna Reale é transportada por dois homens, pelas ruas de
Belém, atada a uma vara de metal e completamente nua. “Sem/Título” faz uma
analogia com o processo do abate de animais, não deixando de discutir também, a
banalização da morte. Em “Soledade”, filmada em uma rua homônima que integra a
rota de tráfico de drogas, a performer aborda o negligência do poder público
para com os mais necessitados.
Já
em “Ordinário”, realizado no bairro Jurunas, um dos mais populosos da capital
paraense e berço da cantora Gaby Amarantos, Berna recolhe ossadas reais
encontradas pela polícia em cemitérios clandestinos na área metropolitana da
sua cidade e perambula pelas ruas, empurrando um carrinho com esses esqueletos.
A performance é uma denúncia às ações de extermínio.
Apesar
de realizado no ano passado, “Palomo” é bastante atual. Em tempos de
manifestações de ruas bastante aguerridas, esta performance aborda poeticamente
o abuso do poder institucional. Por fim, “Americano” foi realizada
especialmente para esta exposição no Rio de Janeiro, que sediará as Olimpíadas
de 2016.
Feita
no Complexo Penitenciário de Americano, em Santa Izabel, nesta performance a
artista percorre os corredores da penitenciária levando uma tocha, símbolo
antigo da purificação e conhecimento e hoje, ícone olímpico. “Questiono a tocha
olímpica como símbolo de triunfo. Que luz é essa que está alimentando coisas e
ao mesmo tempo, escondendo coisas? O
vídeo ‘Americano’ fala da problemática de quando o país passa a ser uma
vitrine, por conta dos jogos olímpicos, por exemplo, e as mazelas são camufladas, escondidas”.
Chama
a atenção, no vídeo, a reação dos presos desavisados, que esboçam total
surpresa diante da cena protagonizada por Berna. Inclusive, ela pretende voltar
ao complexo para saber dos presos o que eles acharam do seu trabalho. Um
trabalho, aliás, bastante elaborado e que passa ao largo da obviedade.
Formada
em Artes pela Universidade Federal do Pará e perita criminal, Berna Reale é uma
performer brasileira, que começou a chamar a atenção da crítica de arte, quando
realizou a performance “Quando Todos Calam” (2009). Tem como principal objeto de pesquisa a
violência na contemporaneidade. Não só a violência estampada nos jornais, mas
também a silenciosa e, sobretudo, como a coletividade lida com essa questão.
Para a artista, a violência não pode se tornar íntima do indivíduo.
Explorando
a semiótica como base de elaboração de suas performances, Berna se preocupa com
o entendimento do público para com a sua arte, utilizando símbolos e signos que
sejam facilmente decodificados. “Para mim, não interessa trabalhos muito
intelectualizados, trabalhos que mexam com coisas que as pessoas não se
identifiquem, porque meu objetivo é alcançar o espectador. Se ele não se sente,
questionado, atraído ou incomodado pela
minha performance, não cheguei no meu objetivo”.
No currículo de Berna, consta a participação na Bienal de Cerveira,
(Portugal, 2005) e na Bienal de Fotografia de Liege (Bélgica, 2006), além da
exposição “Amazônia – Ciclos da Modernidade”, no Centro Cultural Banco do
Brasil (Rio de Janeiro, 2012).
Recebeu o Grande Prêmio do Salão Arte Pará, em Belém (PA, 2009) e foi
selecionada para o Rumos Visuais – Itaú Cultural (2012-2013). Vencedora da
categoria on line do PIPA- Prêmio Investidor Profissional de Artes (2012),
aguarda ansiosa o resultado do PIPA 2013, cujo resultado sai no próximo mês.
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