"O Botão de Pérola": um dos melhores da 39a Mostra |
Oficialmente, a 39ª
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, encerrou suas atividades no dia 4
de novembro, mas, a já tradicional “repescagem”, contando com 27 títulos, foi
encerrada na última quarta-feira, no acender das luzes da sessão de “A Grande
Guerra” de Mario Monicelli, no CineSesc. Para quem desconhece, a “repescagem” é
uma espécie de segunda chance que o evento cinematográfico paulista promove
para os cinéfilos que não conseguiram conferir determinados títulos.
Geralmente, esses filmes são os mais populares, mas também o espaço é dado para
aqueles que, por alguma razão, não puderam ser exibidos na programação normal,
caso do dinamarquês “Guerra” de Tobias
Lindholm (inclusive, estava na minha lista inicial, mas tive que substituí-lo
pelo “Nômade Celestial”, uma grata surpresa do Quirguistão).
Pena que eu voltei dois dias antes da Mostra acabar, porém, nos 11 dias
de maratona, pude assistir a 42 filmes, das mais diversas nacionalidades e um
punhado de títulos premiados, que tiveram os ingressos disputados pela crítica
e pelos cinéfilos. Mas nem todos atenderam às expectativas do público. Alguns
foram bem decepcionantes, como o vencedor da Palma de Ouro em Cannes, “Dheepan-
o Refúgio” de Jacques Audiard; o brasileiro “Boi Neon” de Gabriel Mascaro,
vencedor do Festival do Rio e Prêmio Especial do Júri na Mostra Horizontes; “A Ovelha
Negra” de Grímur Hákonarson, vencedor da Mostra Um Certo Olhar no Festival de
Cannes e “A Bruxa” de Robert Eggers, que foi bastante elogiado no Sundance
Festival.
Na verdade, não teve um título que me “desestruturasse” (no bom
sentido). Dois ou três filmes muito bons, alguns medianos e tantos outros
desastrosos. A seleção de filmes que fiz, seguiu, basicamente, os seguintes
critérios: premiação em festivais e diretores que eu já conhecia a filmografia
e aprovo. Depois, foi na base das sinopses e trailers mais instigantes. O legal
mesmo, é com o passar dos dias, você trocar ideias com os cinéfilos e colegas
críticos. De repente dá para trocar “o certo pelo duvidoso”, mesmo assim, não
dá para combinar seu gosto com o de todos, não é mesmo ?
Longe de querer criticar filmes de forma mais incisiva- como eu poderia
fazer com os fracos “O Verão de Sangaile”, “A Jornada de Chasuke”, “Kurai Kurai”
e “A Anos-luz”-, irei me deter nos seis títulos mais interessantes da minha
modesta lista: “O Botão de Pérola” de patrício Guzmán, “O Filho de Saul” de
László Nemes, “Desde Allá” de Lorenzo Vigas, “Pardais” de Rúnar Rúnarsson, “Ixcanul”
de Jayro Bustamante e “O Culpado” de Gerd Schneider. Farei uma série de seis
postagens, para analisar cada um separadamente.
Disparado “O Botão de Pérola” do chileno Patricio Guzmán é o mais
elaborado de todos. Eu já tinha ficado impressionada com o primeiro filme de
sua nova trilogia documental sobre a ditadura, “Nostalgia da Luz” (2010), em que faz um belo paralelo entre as descobertas empreendidas
pelos astrônomos que trabalham no Deserto do Atacama e o grupo de mulheres
abnegadas, que exploram o solo desse mesmo deserto, atrás de ossadas dos
desaparecidos durante a Ditadura de Pinochet. Agora, em “O Botão de Pérola”,
segundo filme dessa trilogia, Guzmán viaja ao extremo sul do Chile, na região
da Patagônia atrás dos últimos remanescentes de etnias indígenas que habitaram
o lugar inóspito até o final do século XIX. Nessa época, um nativo foi levado para a Inglaterra em troca de alguns botões.
Seu nome ficou sendo Jemmy Button e ele simbolizou a derrocada das civilizações
ancestrais daquele lugar, que começaram a ser dizimadas por navegadores e
colonos criadores de gado.
Guzmán,
então, avança várias décadas e mostra como no governo de Salvador Allende
(1970-1973), os poucos nativos do sul do país conseguem alguma voz. Ao mesmo
tempo, logo após a tomada do governo, pelo general Pinochet, as terras
distantes do sul, mais precisamente, a ilha de Dawson, vai servir de prisão
para vários que se rebelavam contra a Ditadura. O diretor também aborda como as
forças armadas se desfizeram de centenas de corpos no Oceano Pacífico. Partindo
do caso específico do corpo de uma mulher, vítima de tortura e encontrada numa
praia, ele alinhava a história do botão de pérola daquele nativo que não
conseguiu se readaptar à sua terra natal com a de outro botão, encontrado no
fundo do mar, preso a um dos trilhos de trem, que servia de peso para afundar
os corpos dos desaparecidos políticos.
Com
maestria, Guzmán sabe narrar como ninguém, as histórias dolorosas do Chile com
poesia e rara beleza. Obrigatório!
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