Até 2 de novembro, o Itaú Cultural, em São Paulo,
apresenta na Ocupação Laerte os vários caminhos artísticos e militâncias
políticas e sociais da criadora dos Piratas do Tietê. Com curadoria de seu
filho, o artista visual, roteirista e quadrinista Rafael Coutinho, a exposição
conta com a cenografia de Fred Teixeira e a coordenação do Núcleo de
Audiovisual e Literatura e as atividades educativas do Núcleo de Educação e
Relacionamento.
Como se fosse um emaranhado novelo de lã, nas
palavras do curador, a mostra apresenta cartuns, desenhos, quadrinhos,
ilustrações, curtas-metragens. Ela ocupa 120 m² do espaço expositivo, onde o
visitante encontra cerca de 2 mil obras, entre elas uma autocaricatura da
quadrinista dançando com o Minotauro, feita especialmente para a exposição. Do
total de obras, cerca de 300 são originais, 400 imagens digitais em tablets e
aproximadamente 1500 impressas –, selecionadas entre milhares, com destaque
para um painel ao fundo da exposição com exatas 900 tiras.
Idealizada como um labirinto, em que o visitante
decide por qual das cinco entradas e saídas começa e termina o percurso, a Ocupação
Laerte traz desde desenhos que ele fez quando tinha 8 anos, em registros
remotos de 1958-1959 até hoje. “O eixo dos anos 80 se destaca porque é onde
está a maior quantidade de suas obras”, conta Rafael, afirmando emocionado,
que, mesmo sendo filho de Laerte, não conhecia a totalidade do trabalho do pai.
Outra trajetória importante do labirinto, ainda
de acordo com o curador, será a dos tempos do sindicato. “São as tirinhas que
ficaram presas na memória de um período político importante – o da ditadura
militar – e permaneceram nos arquivos da OBORÉ por muito tempo”, diz. A seleção
das obras deu espaço ainda a tiras publicadas nos principais jornais do país,
na militância na revista Balão, nas revistas de banca da editora Circo,
na Placar.
Os personagens de Laerte são mais um destaque da
exposição. Piratas do Tietê, a Muchacha, os moradores de O Condomínio, Deus,
Overman, Muriel, a versão travestida de Hugo, e Los 3 Amigos – a célebre
parceria com Angeli e Glauco –, são alguns deles. Também suas homenagens para
amigos e personalidades que ela admira como Henfil, Glauco, Beethoven, Mozart.
Rafael Coutinho resume: “Cada caminho leva a uma compreensão do todo. Todos
juntos não levam a lugar algum. Devolvem reflexões, a multiplicidade de Laertes
e a sua própria natureza: dúvidas, avaliações cautelosas, sempre evitando
armadilhas morais, preconceitos e maniqueísmos no julgamento do mundo”.
Ocupação virtual: transgênero, sindicato,
contra-cultura- O vasto mundo de Laerte, com seu atual
transgenerismo, sua anterior passagem pela contracultura, as ilustrações de um
livro infantil, suas produções e atuações sindical e política e demais faces da
cartunista, extrapolam o espaço físico do instituto e sobem para o seu site (www.itaucultural.org.br).
Além do hotsite que naturalmente acompanha a Ocupação
física, o Itaú Cultural publica uma revista virtual que revela muito do
labirinto criado por Laerte, com tiras, desenhos, um ensaio fotográfico, além
de textos que analisam tanto a pessoa quanto o seu trabalho. A psicanalista
Letícia Lanz, também mestre em sociologia e economista, assina O gênero
entre pernas, orelhas e braços onde se debruça na questão da
transgeneridade a partir da artista. “Apesar das impropriedades e desacertos em
torno dessa identidade de gênero, Laerte é hoje reconhecida como um dos
principais ícones do mundo transgênero no Brasil”, escreve ela.
Maria Clara Carneiro, membro do grupo Grena
(Groupe de Recherche sur le Neuvième Art), da Sorbonne, fala da Contra-cultura
ao contra-quadrinho. O jornalista Eduardo Conti, que trabalha na editora
Companhia das Letras com literatura brasileira e quadrinhos, reflete sobre o Artista
sem auge, e, por fim, revela: “A obra do Laerte me permite, todos os dias,
esse entendimento involuntário. Ela está além da minha compreensão, mas me
encara com paciência, serenidade e perdão recíproco.”
A revista apresenta, ainda, a fábula do
Minotauro, datilografada por Laerte ainda nos tempos das máquinas de escrever,
traz um texto de seu filho Rafael, uma seleção das tirinhas do tempo sindical,
dos Piratas do Tietê, histórias curtas, outras da juventude. A revista virtual
apresenta um ensaio fotográfico exclusivo: No armário de Laerte, em que
ela foi fotografada por André Seiti com suas bijuterias, sandálias, vestidos,
texturas, cabelos longos, caras e bocas, em um apartamento no Centro de São
Paulo. Na boléia com o Minotauro – outro ensaio, também exclusivo mas
que será exibido somente no site do instituto – foi clicado por Rafel Roncato,
em uma espécie de história em quadrinhos em que a cartunista interage com este
que é um de seus célebres personagens.
Um audiovisual, locado também no site do
instituto, traz o testemunho de parceiros de Laerte em todos os tempos e de sua
irmã, Marilia. Angeli fala não somente de sua estreita amizade e dos projetos
que realizaram juntos – incluindo Glauco, morto a tiros em 2010 –, como também
de sua admiração pela displicência e genialidade do traço e criações da
quadrinista. Sérgio Gomes, jornalista e diretor da OBORÉ, trata de suas
participações no movimento sindical, nas revistas Banas, O Bicho,
Placar, Pasquim e simultaneamente no jornal Gazeta Mercanti.
Ele faz revelações pouco conhecidas deste período, de 1978 a 1987. O editor
Toninho Mendes lembra quando criaram a editora Circo, que publicou a primeira
história de Piratas do Tietê.
O diretor de teatro Naum Alves de Souza adaptou A
noite dos palhaços sobre roteiro de Juliano Lucas, diretor de um curta
sobre esta HQ de Laerte, e fala com poesia do traço de Laerte que dialoga com o
teatro, a dança, as artes visuais. Zelito e Ciça Alves Pinto também falam sobre
a artista. “Deita e rola nas neuras das pessoas”, diz o caricaturista e
ilustrador.
Sobre a série Ocupação- A Ocupação Laerte é a vigésima da série de
ocupações promovida pelo instituto desde 2009. Criada para fomentar o
diálogo da nova geração de artistas com os criadores que a influenciou, essa
chancela no Itaú Cultural integra o trabalho perene do instituto com programas
como o Rumos, que há 17 anos incentiva a produção contemporânea colaborando
para o aprimoramento de criadores, a difusão de suas obras e a reflexão sobre a
arte atual.
As edições anteriores foram dedicadas à
apresentação da produção de artistas referenciais das artes visuais (Nelson
Leirner, Abraham Palatnik e Cildo Meireles), do teatro (Zé Celso, Flávio
Império e Sérgio Britto), da literatura (Paulo Leminski, Haroldo de Campos,
Mário de Andrade e Nelson Rodrigues), da música (Chico Science e Jards Macalé),
do cinema (Rogério Sganzerla), da arte cibernética (Regina Silveira), dança
(Ballet Stagium), HQ, com Angeli, uma homenagem ao multiartista pernambucano
Antonio Nóbrega e uma ocupação especial sobre Zuzu Angel, em um mescla de moda
e militância – para esta foram usados os três andares do espaço expositivo,
além do térreo.
Esse espaço permite que vários perfis de público
tomem contato com a obra desses artistas, e, ainda, que a instituição direcione
sua ação educativa para o aprofundamento e a compreensão de seu papel no
universo artístico e social.
Ocupação Laerte
Visitação: de 21 de setembro a 2 de novembro de 2014
De terça-feira a sexta-feira, das 9 h às 20 h
Sábados, domingos e feriados, das 11 h às 20 h
Entrada franca
Classificação indicativa: 14 anos
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