quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Da Bélgica Para o Oscar 2014




 
Baetens e Heldenbergh: força motriz de "Alabama Monroe"


Dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano, apenas o palestino “Omar” de Hany Abu-Assad, ainda não passou por aqui. Depois do dinamarquês “A Caça” de Thomas Vinterberg; do italiano “A Grande Beleza” de Paolo Sorrentino e do cambojano “A Imagem Que Falta” de Rithy Panh (ainda em cartaz no Cine Vitória), o representante belga “Alabama Monroe” de Felix Van Groeningen poderá ser conferido pelos sergipanos, a partir da próxima terça-feira, no Cine Cult Riomar.

Em alguns momentos, o filme de Van Groeningen lembrou-me “A Guerra Está Declarada” de Valérie Donzelli. Mas ao contrário deste último, carregado de uma atmosfera constantemente pesada e angustiante, “Alabama Monroe” conta com um elemento importantíssimo para aliviar as tensões: a música country.

O músico Didier (Johan Heldenbergh) é apaixonado pelo bluegrass country e toca banjo numa banda especializada nesse gênero musical. Ele começa um romance com a tatuadora Elise (Veerle Baetens) e não tarda, para ela se integrar ao grupo. Apesar das diferenças (ele ateu, ela católica; ele caipira, ela urbana), casam-se e têm uma filha Maybelle (Nell Cattryse)

A vida do casal segue feliz, sem tapas e muitos beijos, até que a pequena Maybelle adoece. A partir daí, os protagonistas reagirão de forma diferente diante da enfermidade da filha e uma crise se instala. Até que ponto o amor será capaz de amenizar a dor do casal e evitar o distanciamento entre os cônjuges ?

Através de uma montagem fragmentada, com utilização de flashbacks, vamos acompanhando os altos e baixos do cotidiano de Didier e Elise. Se num passado, não muito distante tudo era alegria, o presente se mostra melancólico e, não tarda o estupor do choque se dissipar, dando margem ao sentimento de revolta. 

Pena que o filme perca muito, da sua força, no momento de explosão de Didier. Sua crítica ao imperialismo ianque -da Era Bush- e a discussão que faz sobre ciência e religião soa por demais forçada, artificial e incômoda. Faltou sutileza, ao diretor, para conduzir esse momento crítico.

Ainda assim, “Alabama Monroe” (adaptado da peça de mesmo nome, escrita pelo ator  Johan Heldenbergh e por Mieke Dobbels) merece ser descoberto. Ganhador dos prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Atriz no Festival de Tribeca e prêmio do público na Mostra Panorama no Festival de Berlim 2013, o concorrente belga tem poucas chances de arrebatar a estatueta dourada de Filme Estrangeiro, mas potencial de sobra para  conquistar os corações da plateia. A conferir!!

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

"Por Parte de Pai" será encenado no Lourival Baptista



 
 Atrás do Pano encena "Por Parte de Pai" (foto: Guto Muniz)

Depois de vencer os prêmios Sinparc 2013 de Melhor Espetáculo e Melhor Cenário, em Belo Horizonte, ser apresentado em várias cidades mineiras e em outros Estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, o espetáculo “Por Parte de Pai” do Grupo Atrás do Pano chega a Aracaju. Serão três apresentações gratuitas, no Teatro Lourival Baptista, sendo que nos dias 07 e 08 de fevereiro, o espetáculo começa às 20h30 e, no dia 09, às 19h30.

Adaptado do texto de Bartolomeu Campos de Queirós, o espetáculo tem dramaturgia de Carlos Rocha, direção de Epaminondas Reis e conta com os atores Antônia Claret, Guda Coelho, Myriam Nacif e Paulo Thielmann. “Por Parte de Pai” apresenta o olhar de uma criança sobre o mundo ao seu redor, carregado de sentimentos poéticos e revelações existencialistas. Antônio é um menino que experimenta a vida na casa dos avós paternos, onde vive parte de sua infância como quem lê um livro de memórias. Cheiros, sensações, sonhos, medos e dúvidas constantes permeiam o seu cotidiano. E o que se descortina à sua frente são questões filosóficas acerca do tempo, da existência, da vida e da morte. 

Desde a sua criação, em 1981, o Grupo Atrás do Pano investiga a cultura infantil através de seus trabalhos, que partem do resgate de “estórias”, cantigas populares e também pela vivência do brincar e do brinquedo, como o teatro de bonecos e as formas animadas, que marcaram a sua origem. Enveredando neste universo das histórias populares, da oralidade e da cultura brasileira, o grupo encontra como grande aliada à literatura. 

Então, parte para a criação de novos trabalhos como “Tem de Tudo Nesta Rua” (1994), “Toalha Mágica” (2004) e “Estórias Cantantes” (2006), nos quais une a adaptação literária a uma dramaturgia lúdica e interativa. O encontro com o livro de Bartolomeu Campos de Queirós significa para o grupo, além da continuidade de sua pesquisa de linguagem, falar ao público jovem e adulto sobre a alma sensível e reveladora da criança. Porém, sob um novo prisma: através da criança.

O Teatro Lourival Baptista localiza-se à rua Laranjeiras, s/n- bairro Getúlio Vargas.

Workshop- Além da circulação do novo trabalho do grupo está previsto para Aracaju o workshop “Oficina da Palavra”, destinado a artistas, atores, jovens e  educadores, onde o grupo propõe reflexão sobre a obra do autor e o processo de adaptação literária para o teatro, contribuindo com o estímulo à leitura, o fortalecimento da literatura e dos processos de adaptação teatral e construção dramatúrgica.

O workshop ocorre paralelamente às apresentações, fortalecendo a pesquisa teatral do grupo e colaborando para o processo de formação de público. Através do contato com a obra do autor, o participante terá a oportunidade de exercitar e enriquecer seu universo verbal, visando à construção de significado e ao licenciamento poético da criação de um texto ou da adaptação literária para o teatro, bem como as diferentes formas e processos de construção de uma dramaturgia teatral. 

Para a promoção destes encontros reflexivos em Aracaju o grupo contará com a presença do dramaturgo e diretor teatral Carlos Rocha, responsável pela dramaturgia do espetáculo “Por Parte de Pai”. O ministrante irá discorrer sobre a criação literária e os processos de adaptação teatral. Na ocasião, os atores do grupo desenvolverão jogos teatrais exercitando a aproximação do texto à construção da imagem no teatro, através de uma demonstração de processo de trabalho aplicado na construção das cenas do espetáculo.
Para participação na oficina os alunos têm como pré-requisito assistir ao espetáculo “Por Parte de Pai” no dia anterior (07/02). A oficina acontecerá em três módulos de sendo dois módulos de 3 horas do sábado e um módulo de 3 horas no domingo.

A solicitação de vaga deve ser feita através do e-mail: atrasdopano@atrasdopano.com.br.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Eduardo Coutinho- O Mestre do Documentário




Passados dois dias de sua morte, o meio artístico brasileiro, sobretudo o cinematográfico, ainda custa a acreditar que Eduardo Coutinho se foi. E de maneira tão trágica (assassinado pelo próprio filho esquizofrênico, a facadas). Em plena atividade, o cineasta paulista, de 80 anos, já estava preparando um novo filme e devia estar contando os dias para o lançamento em DVD de sua obra-prima “Cabra Marcado Para Morrer”, em abril.

Verdadeiro divisor de águas quando o assunto é documentário brasileiro, “Cabra Marcado Para Morrer” tornou-se emblemático por conta de sua produção e finalização. Assim que voltou de Paris, em 1960, após estudar dois anos Cinema no Institut des Hautes Études Cinématographiques (Idhec), Coutinho fez trabalhos como assistente de direção no teatro e no cinema, trabalhando com Amir Haddad, Flávio Migliaccio e Leon Hirszman.

Participou do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional de Estudantes (UNE) que o convida a dirigir um projeto baseado nos poemas “O Rio”, “Morte e Vida Severina” e “O Cão Sem Plumas” de João Cabral de Melo Neto. O poeta, no entanto, dá para trás e não autoriza a adaptação. Coutinho que já estava em Pernambuco, a fim de documentar as condições da população pobre pelo país, conhece Elizabeth Teixeira, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira e decide realizar um doc-ficção com atuação dos camponeses.

O filme chamaria “Cabra Marcado Para Morrer” e abordaria o conflito entre camponeses e proprietários de terras (tão comum ainda hoje, no interior do país). As filmagens iniciadas em fevereiro de 1964, não duraram muito tempo, devido ao Golpe Militar deflagrado no final de março daquele ano. O saldo foi a interrupção do filme, equipamentos apreendidos, dispersão da equipe técnica e prisão de Coutinho e de Elizabeth, que depois de quatro meses presa, decide viver na clandestinidade.

Porém, o diretor consegue salvar uma parte do negativo filmado, que fica guardado por um tempo (ironia do destino), na casa de David Neves, cujo pai era general do Exército e, depois, na Cinemateca do MAM-RJ, sob o título de “A Rosa do Tempo”. No período de 10 anos, Eduardo Coutinho exercita seu talento múltiplo no cinema, na televisão, e na imprensa escrita (no Jornal do Brasil, trabalha durante quatro anos, sendo copidesque e crítico de cinema).

Somente em 1981, ele retornaria ao Nordeste para investigar o paradeiro dos principais atores de cabra “Marcado Para Morrer”. Agora, que a ditadura já dava sinais de falência, as filmagens deveriam ser retomadas. E foi. Coutinho e Elizabeth se reencontram e finalizam um diálogo interrompido há 17 anos. Entre 1982-1983, é a vez de Coutinho entrevistar Marinês, José Eudes e Marta, todos filhos de Elizabeth, e Cícero Anastácio, um dos atores da primeira versão.

O filme é concluído em 16 mm e ampliado, posteriormente, para 35 mm. Em 1984, “Cabra Marcado Para Morrer” estreia no Brasil e faz uma excelente carreira pelos festivais de cinema mundo afora. Não só a tenacidade do diretor em finalizar o projeto, quase 20 anos depois é louvável, como uma característica sua, iria se evidenciar nos projetos que se seguem até “O Fim e o Princípio” (2005): seu deslocamento em direção ao entrevistado.

Coutinho foi atrás de Elizabeth no interior nordestino, assim como foi ao encontro dos moradores do Morro D. Marta em “Santa Marta- Duas Semanas no Morro” (1987), da favela Vila Parque da Cidade para filmar “Santo Forte” (1999) e do Morro do Chapéu Mangueira para realiza “Babilônia 2000” (2001), dos moradores do “Edifício Master” (2002), dos metalúrgicos do ABC em “Peões” (2004) e dos nordestinos do sertão da Paraíba em “O Fim e o Princípio” (2005).

A partir de “Jogo de Cena” (2007) essa logística muda sobremaneira. As entrevistadas vão ao encontro de Coutinho, reúnem-se num teatro, mas não é só isso. Ao misturar anônimas com atrizes renomadas e outras, pouco famosas, Coutinho põe em dúvida todos os filmes documentários, desestabilizando a noção do sujeito.

E o que dizer de “Moscou” (2009) ? Em que Coutinho filma os ensaios da peça “As Três Irmãs” de Tchékov, interpretado pelo Grupo Galpão, sob a direção de Enrique Diaz. Mais do que nunca, o cineasta aqui, radicaliza com a questão de onde inicia-se a ficção e termina o documentário e vice-versa. A peça não seria encenada e as filmagens resultam em “Moscou”.

Ainda não tive a oportunidade de assistir aos filmes “Um Dia na Vida” (2010) e “As Canções” (2011), mas pelas críticas que conferi, fazem jus à produção de excelência do diretor. No ano passado, Coutinho foi o grande homenageado da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Além de uma retrospectiva com seus filmes, a programação da Mostra contou com o lançamento do livro “Eduardo Coutinho” organizado por Milton Ohata e publicado pela Cosac Naify.

Agora, só nos resta ver e rever seu legado. Aos que não viram ainda “Cabra Marcado Para Morrer”, é bom correr para as lojas em abril, a fim de adquirir o DVD desse filme. Depois de assisti-lo, você terá vontade de conhecer a obra completa do diretor. O mais genial, criativo e ousado documentarista que o Brasil já teve.