sexta-feira, 28 de setembro de 2018

"A Moça do Calendário" terá sessão com debate no Cinema Vitória


Inácio encontra a Moça do Calendário no filme de Helena Ignez 


Amanhã, às 17h45 (horário confirmado), no Cinema Vitória, o filme "A Moça do Calendário" de Helena Ignez terá sessão seguida de debate com a presença do ator André Guerreiro Lopes. O quinto longa-metragem da atriz e diretora baiana é baseado num roteiro de Rogério Sganzerla, escrito nos anos 1980. Helena Ignez adaptou-o para os dias atuais e aborda temas como a reforma agrária, luta de classes e questões de gênero.

A trama acompanha Inácio (André Guerreiro Lopes), ex-gari, dublê de dançarino e mecânico desmotivado que trabalha numa oficina de carros e sonha com a Moça do Calendário (Djin Sganzerla). Casado e sem filhos, Inácio perambula pela capital paulista, antes do trabalho, encontrando velhos amigos e discute sobre o cotidiano, sem deixar de aludir a questões urgentes. Por conta disso, geralmente, chega atrasado ao trabalho e vive na iminência de perder o emprego. 

Sua fuga da realidade faz-se através de seus sonhos com a Moça do Calendário, musa de seus desejos e fantasias. Quando a encontra, porém, ela o faz refletir sobre suas contradições, ainda que as situações tenham um toque de humor. Helena Ignez defende a criação de uma sociedade anticapitalista, na qual não existam desigualdades sociais. E nesse filme, lança mão do espírito  anárquico, para dar seu recado também de cunho feminista.

O debate será mediado por mim e contará com as presenças do ator André Guerreiro e do professor da UFS, Romero Venâncio. O Cinema Vitória localiza-se à Rua do Turista, centro de Aracaju.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

"Temporada" é o grande vencedor do 51o Festival de Brasília

Meu balanço sobre os vencedores da Mostra Competitiva do 51o Festival de Brasília chega um tanto atrasado. Em parte, pelo tempo exíguo entre a premiação e o retorno ao lar, no dia seguinte, recomeçando a rotina de trabalhos pendentes; mas também, para evitar escrever "no calor da hora" e, de repente, ser injusta com certos filmes premiados ou mesmo com o júri oficial.

Praticamente, só assisti aos longas e curtas da Mostra Competitiva, abrindo espaço apenas para dois filmes da Paralela: os documentários "Fabiana" de Brunna Laboissière e "Humberto Mauro" de André di Mauro. Ambos, por sinal, bem realizados e merecem uma conferida quando entrarem em circuito.

Quanto aos vencedores dos Candangos, nas principais categorias, prefiro evitar comentários mais extensos e apostar na precisão cirúrgica. Vamos lá:

De uma forma geral, achei as escolhas do Júri Oficial de Curta-metragem (Cristina Amaral, Juliana Rojas, Marcelo Lordello, Naná Baptista e Rafael Urban)  mais coerentes que as do Júri Oficial de Longa-metragem (Ismail Xavier, Sylvio Back, Ítala Nandi, Dácia Ibiapina, Humberto Carrão, Hernani Heffner e Sabrina Fidalgo) ainda assim, a opção de premiar "Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotado" como melhor curta, ao invés de "Guaxuma", surpreendeu a todos.

No conjunto da obra, o curta de animação de Nara Normande era o melhor dos concorrentes- ganhou apenas três Candangos (Direção, Direção de Arte e Trilha Sonora)-, mas parece que os jurados não quiseram laurear o vencedor do Festival de Gramado esse ano, na categoria, preferindo o "cinema de borda", tendo como tema as ocupações de movimentos de sem teto, ao invés do apuro técnico e o lirismo da animação pernambucana.

O segundo curta-metragem mais premiado foi "Mesmo Com Tanta agonia" de Alice Drummond. a produção paulista venceu nas categorias Melhor Atriz (Maria Leite), Melhor Fotografia (Anna Santos) e menção Honrosa atriz Coadjuvante (Rillary Rihanna Guedes). Prêmios mais que merecidos para uma narrativa instigante, crítica e reflexiva sobre a sociedade de consumo.

Outro filme que merece destaque é o pernambucano "Reforma" de Fábio Leal. O diretor que também atua no curta, traz uma reflexão sobre a não aceitação de corpos gordos no meio gay. Seu personagem está atrás de um namorado, mas percebe que os garotos com quem relaciona, não curtem de verdade seu biotipo. O filme é ousado em alguns momentos, por conta de cenas de sexo mais tórridas (nada gratuitas), pois as cenas são coerentes com a história contada. Está longe de chocar por chocar.

Fechando a lista de premiados, na categoria de curtas, temos a comédia "Plano Controle" de juliana Antunes. Ganhou, merecidamente, os prêmios de Melhor ator Coadjuvante (Uirá dos reis) e Melhor Montagem. O filme mostra a versatilidade da jovem diretora mineira, que estreou sua carreira em longas, com o premiado "Baronesa".

A Mostra Competitiva de longa-metragem, ao meu ver, tiveram alguns prêmios equivocados. O Candango de Melhor Fotografia deveria ter ido parar nas mãos de Sofia Oggioni pelo seu deslumbrante trabalho em "Los Silencios". Já a Direção de Arte, penso que a mais bem trabalhada foi a de "Luna, assinada por Maíra Mesquita ou mesmo a de "A Sombra do Pai" de Valdy Lopez Jr. Ambos os prêmios foram para "Temporada" que ainda ganhou os Candangos de Melhor Filme, Atriz (Grace Passô) e Ator Coadjuvante (Russão). 

Há de se destacar também a atuação da atriz estreante Eduarda Fernandes, protagonista de "Luna. Seria merecidíssimo se ela ganhasse também o Candango de Melhor Atriz junto com a conterrânea mineira Grace Passô. Lamento, que festivais tradicionais como o de Brasília não exercitem a divisão de prêmios. Quanto à categoria de Melhor Ator, reconheço que Aldri Anunciação esteja bem no filme "Ilha", mas a cena "oscarizável" (ops!)- aquele plano-sequência, em que ele canta "Clube da Esquina II"- não é páreo para todo o trabalho corporal e do olhar de Júlio Machado em "A Sombra do Pai". Será que o problema é sua gradual transformação em um zumbi ?

Prêmios justíssimos para Ator e Atriz Coadjuvante, respectivamente, para Russão ("Temporada") e Luciana Paes ("A Sombra do Pai"). Esse segundo longa de Gabriela Amaral também conquistou o prêmio de Melhor Som e Melhor Montagem. Eu achava que a Trilha Sonora de Rafael Cavalcanti, neste filme, também seria contemplada com o Candango, mas aí, o Júri surpreendeu novamente, optando por premiar "Bixa Travesty", cuja trilha faz-se presente a partir dos trechos de shows da protagonista Linn da Quebrada. O documentário de Kiko Goifmann e Claudia Priscilla também foi laureado como Melhor Filme pelo Júri Popular e a dupla Linn da Quebrada e Jup do Bairro foram homenageadas com uma Menção Honrosa pelo Júri Oficial. 

"Torre das Donzelas" que provocou comoção no público no primeiro dia de competitiva, ia sair do 51o Festival de Brasília sem prêmios. O Júri, então, achou de contemplá-lo com um Prêmio Especial. É um filme que tem sua inegável força, concentrada nos depoimentos das ex-presas políticas, mas dividiu opiniões dos críticos, quanto à sua encenação.

Talvez, o prêmio mais esdrúxulo tenha sido o de melhor roteiro para "Ilha". Será que a metalinguagem foi suficiente para "encantar" todo o corpo de jurados ? Fico pensando em que patamar está o roteiro de "Los Silencios", "Temporada", "Luna" e "A Sombra do Pai". 


Mostra Competitiva
Longa-metragem
Melhor Filme: "Temporada"
Melhor Direção: Beatriz Seigner ("Los Silencios")
Melhor Ator: Aldri Anunciação ("Ilha")
Melhor Atriz: Grace Passô ("Temporada")
Melhor ator Coadjuvante: Russão ("Temporada")
Melhor Atriz Coadjuvante: Luciana Paes ("A Sombra do Pai")
Melhor Roteiro: Ilha ("Ilha")
Melhor Direção de Fotografia: Wilsa Esser ("Temporada")
Melhor Direção de arte: Diogo Hayashi ("Temporada")
Melhor Trilha Sonora: Bixa Travesty
Melhor Som: Gabriela Cunha ("A Sombra do Pai")
Melhor Montagem:  Karen Akerman ("A Sombra do Pai")
Júri Popular
"Bixa Travesty"
Prêmio especial do Júri
"Torre das Donzelas"
Menção Honrosa do Júri
Bixa Travesty (pelo posicionamento e impactante apresentação de Linn da Quebrada e Jup do Bairro)
Curta-metragem
Melhor Filme: "Conte Isso Àqueles Que Dizem que Fomos Derrotados"
Melhor Direção: Nara Normande ("Guaxuma")
Melhor Ator: Fábio Leal ("Reforma")
Melhor Atriz: Maria Leite ("Mesmo Com Tanta Agonia")
Melhor Ator Coadjuvante: Uirá dos Reis ("Plano de Controle")
Melhor Atriz Coadjuvante: Noemia Oliveira ("Eu, Minha Mãe e Wallace")
Melhor Roteiro: "Reforma"
Melhor Fotografia: Anna Santos "(Mesmo Com Tanta Agonia")
Melhor Direção de Arte: Nara Normande ("Guaxuma")
Melhor Trilha Sonora: Normand Roger ("Guaxuma")
Melhor Som: Nicolau Domingues ("Conte Isso àqueles que Fomos Derrotados")
Melhor Montagem: Gabriel Martins e Luisa Lana ("Plano de Controle")
Menção Honrosa de Atriz Coadjuvante: Rillary Guedes ("Mesmo Com Tanta Agonia")

domingo, 23 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Oitavo Dia)- "Temporada"

Na sexta-feira, penúltimo dia da Mostra Competitiva do 51o Festival de Brasília, o filme "Temporada" de André Novais Oliveira, despontou como um dos possíveis colecionadores de Candangos dessa edição. O diretor mineiro aposta num tom naturalista, para contar a história de Juliana (Grace Passô), uma mulher que se muda de Itaúna para a periferia de Contagem (MG), a fim de começar um novo emprego como agente de combate a Dengue, ao mesmo tempo que tenta lidar com as perdas que a vida lhe impôs.

Solitária e introvertida, aos poucos Juliana vai se sociabilizando com os colegas de trabalho, sobretudo: o divertido Russão (Russo APR), Hélio (Hélio Ricardo) e Jaque (Ju Abreu). São eles, que sem saber, vão dando gás a Juliana para superar a saudade de casa, o luto e o abandono do marido. Ao mesmo tempo, seu trabalho que demanda adentrar na residência de anônimos, faz com que a agente tenha acesso a universos muito particulares que vão testando seus medos, frustrações e aventando a possibilidade de mudanças.

Novais é habilidoso com a câmera, com a direção de atores (muitos deles estreando no cinema) e com as questões que aborda no longa-metragem, a exemplo da falta de perspectiva de uma melhor ocupação no mercado de trabalho para pobres e negros; o patriarcado; a violência na periferia; entre outros. São questões inseridas, paulatinamente, na trama, a partir das situações vividas pelos personagens.   

"Temporada" é um filme delicado, com uma pegada cômica na medida, para contrabalançar o momento dramático que a protagonista está passando. Juliana é um personagem complexo, cheio de nuances, que funciona muito bem por conta da interpretação minimalista, beirando o naturalismo, que Grace Passô imprime. Os atores coadjuvantes também produzem resultados satisfatórios, com atuações equilibradas que somam-se ao trabalho da protagonista.

Auxiliando na construção de uma atmosfera bem peculiar para "Temporada", há de se destacar o trabalho de Pedro Santiago (trilha musical), Wilssa Esser (diretora de fotografia) e Diogo Hayashi. Sem dúvida, a confirmação do amadurecimento de André Novais Oliveira e sua consolidação no hall de novos diretores a se destacar no cenário cinematográfico brasileiro.

51o Festival de Brasília (Sétimo Dia)- "A Sombra do Pai"


A Sombra do Pai_Festival de Brasília_http://bangalocult.blogspot.com
Dalva e Jorge tentam a reaproximação em "A Sombra do Pai"


Esse parece ser o ano da cineasta baiana Gabriela Amaral Almeida. Nem bem "O Animal Cordial" saiu do circuito nacional, agora, é apresentado o seu mais novo filme no 51o Festival de Brasília- "A Sombra do Pai"- um belo representante do gênero terror que não se contenta apenas em dar sustos, mas, sobretudo, reflete sobre a condição humana na contemporaneidade, sobre o horror social.

Basicamente, a história envolve três personagens: o operário da construção civil, Jorge (Júlio Machado), sua irmã, Cristina (Luciana Paes) e Dalva (Nina Medeiros), filha do pedreiro. Apesar de todos morarem sob o mesmo teto, há um certo mal estar nas relações entre eles. Jorge parece não ter superado a morte da esposa (tudo indica que vítima de complicações no parto), enquanto Cristina mantém uma relação  maternal com a sobrinha de 9 anos, demonstrando-lhe, inclusive, a fé que nutre por simpatias e mandingas para conseguir um marido. 

Sentindo-se rejeitada pelo pai, Dalva estreita os laços com a tia e vê com encantamento os rituais realizados por ela, desenvolvendo a crença de que também tem o poder de mudar o destino da sua vida e dos outros. Fã de filmes de terror, apesar da pouca idade, Dalva vai se identificando com o universo ficcional habitado por fantasmas e zumbis, principalmente, quando seu pai traz do cemitério, restos mortais da esposa (como seu cabelo trançado e dois dentes caninos) e presenteia-a  com esses elementos.

O comportamento retraído de Jorge, piora com a morte de um companheiro de trabalho (Eduardo Gomes) e com a saída de Cristina de casa, por conta de seu casamento. Sozinho com Dalva, Júlio sente-se cada vez mais sufocado em meio aos sentimentos represados. Ele não só repreende a filha, quando ela age semelhantemente a Cristina, testando poderes sobrenaturais (na tentativa de se comunicar com a mãe morta), como se esquiva de qualquer possibilidade de aproximação com a menina. 

Cada um dos personagens, procura à sua maneira, sobreviver a esse mundo familiar dominado pela incomunicabilidade e distanciamento afetivo. Enquanto, as personagens femininas lidam melhor com as adversidades que a vida lhes proporciona (a perda, o distanciamento, a solidão), apegando-se a uma crença, Jorge, que é descrente, nutrindo um horror interno, sucumbe à deterioração psicológica e física tornando-se um verdadeiro "zumbi".

Parte do sucesso do filme dá-se pela escolha, extremamente acertada, do elenco principal. O trabalho corporal e de expressão facial de Júlio Machado é impressionante, bastando se atentar para a transformação que seu personagem sofre ao longo da narrativa. Luciana Paes (que já trabalhou com a diretora em "A Mão Que Afaga" e "O Animal Cordial") dá vida a uma Cristina que aposta no sobrenatural para suportar suas incompletudes na ordem do terreno, do racional. Nina Medeiros (que rouba a cena do protagonista mirim de "As Boas Maneiras"), mais uma vez domina o espaço cênico e interage com os atores adultos em pé de igualdade, sem contar a naturalidade de sua performance em cenas delicadas como aquela em que cuida do ferimento do pai ou quando é encontrada dentro do armário pela tia.

Tomando como referências filmes cults do gênero terror, a exemplo de "A Noite dos Mortos-Vivos" (1968) de George Romero e "Cemitério Maldito" (1989) de Mary Lambert, Gabriela Amaral constrói uma atmosfera, gradativamente, aterrorizante em "A Sombra do Pai", lançando mão de elementos como a trilha sonora (assinada por Rafael Cavalcante), som e design de som (Gabriela Cunha e Daniel Turini) e a direção de arte (Valdy Lopes) como auxiliares nessa composição.

É gratificante perceber que uma diretora jovem como Gabriela Amaral, egressa da Escuela Internacional de Cine y Televisíon de Cuba, onde estudou roteiro e com a carreira ainda em formação (são apenas três curtas e dois longas-metragens), já demonstre maturidade no fazer cinema, seja na direção e na elaboração de roteiros para seus filmes de horror.  (seria a admiração de diretores rigorosos a exemplo de Hitchcock e Douglas Sirk ?)

Não seria nada mal, se o seu trabalho fosse reconhecido pelo Júri Oficial do 51o Festival de Brasília. Oxalá!!

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Sexto Dia)- "Ilha"

Ary Rosa e Glenda Nicácio estrearam na direção de longa-metragem, com o filme "Café com Canela", vencedor do prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular e Melhor Atriz, no Festival de Brasília de 2017. Esse ano, a dupla baiana voltou à Mostra Competitiva com o filme "Ilha", em que o fazer cinematográfico se impõe como força propulsora da narrativa.

Numa ilha de pescadores (as filmagens foram realizadas em Ilha Grande-BA), o nativo Emerson (Renan Motta) sequestra o cineasta Henrique (Aldri Anunciação) com o intuito deste rodar seu filme. Amarrado e encapuzado, Henrique demora para entender o que está acontecendo com ele e onde se encontra, mas se num primeiro momento, nega veementemente a sua participação no projeto cinematográfico do sequestrador, a partir das ameaças feitas, "cede" ao trabalho imposto por Emerson. 

A partir dessa premissa, os diretores escolhem o caminho da metalinguagem para discutir política, relação homoafetiva, violência doméstica, representatividade negra, entre outros temas. Não esquecem, porém, de nos lembrar constantemente, de que ali, está se experimentando o fazer cinema, rompendo com a linguagem clássica e se arriscando num terreno cheio de armadilhas estéticas, gerando, por vezes, um certo maneirismo da câmera. 

Uma cena que funciona, sobremaneira, é o plano-sequência em que Henrique, acompanhado apenas do violão, entoa "Clube da Esquina II" (Milton Nascimento/Lô Borges e Márcio Borges) sob um close up bem acertado. Já a cena de sexo entre os protagonistas funciona sob o ponto de vista do olhar, mas carece de cuidado na verossimilhança, devido à rapidez do ato e a sua incompletude. O maneirismo da câmera faz-se presente na cena em que Emerson, numa espécie de transe, gira e rola pelo chão de uma casa semi-demolida.

É evidente o desejo de Rosa e Nicácio de questionar o fazer cinema preso aos cânones e ao academicismo. Às vezes, funciona, outras vezes, soa esnobe. É um cinema de risco, que causa estranhamento até mesmo para o adeptos a radicalismos estéticos, mas os diretores estavam dispostos a apostar nesse risco e se expõem como artistas autorias. Resta saber como "Ilha" foi interpretado pelo público e pelo júri oficial do festival, deixando em aberto, a possibilidade de um êxito, como aconteceu como "Café com Canela", no ano passado ou um tremendo fracasso.

51o Festival de Brasília (Quinto Dia)- "Bloqueio"

Foi exibido na última terça-feira, um dos filmes mais esperados da Mostra Competitiva de longas-metragens: o documentário "Bloqueio". A expectativa deu-se pelo fato do longa, de 75 minutos, registrar parte da Greve dos Caminhoneiros, que atingiu 24 Estados brasileiros, entre os dias 21 e 31 de maio.

Assim que a paralisação começou a avançar pelas cinco regiões do país e a provocar desabastecimento gradativo em várias localidades, a jornalista e documentarista Victória Álvares e o diretor Quentin Delaroche ("Camocim"), moradores da capital carioca, caíram na estrada e foram em direção ao município de Seropédica, parando na BR-116, no trecho entre o Rio de Janeiro e São Paulo, mais conhecido como Via Dutra.

Os diretores ficaram nas imediações de um posto de gasolina durante três dias e filmaram pouco mais de nove horas do evento. A urgência em registrar a maior greve da categoria, na história do Brasil, sem um roteiro pré-estabelecido, gerou um documentário do tipo observativo, onde a dupla pouco ou quase nada interviu no andamento das ações dos motoristas de caminhões e de outros manifestantes, optando pela captura espontânea do que flagrou no local.

O resultado é instigante, por vezes, chocante. Isso porque, a partir do discurso dos grevistas, percebe-se o quanto temos ainda que avançar no quesito educação, projetos sociais, equidade de classes. O discurso de que o atual governo tem que cair, para ser "salvo" pelos militares, é o dominante na tela.  Pouco se fala da lista de reivindicações que incluía a redução do preço do diesel, o fim da cobrança do eixo suspenso e o fim do PIS/Cofins sobre o diesel. Há vozes isoladas, no filme, que defendiam o governo petista, anterior ao impeachment de Dilma Rousseff, mas os registros são tão raros, que o público tende a pensar que a ala direitista foi privilegiada em detrimento da esquerdista por Álvares e Delaroche.

O que vemos, nada mais é do que estava lá. Grupos evangélicos dando assistência aos grevistas, seja no plano espiritual ou material; o corporativismo da classe, que fica mais evidente quando chegam as tropas do exército e a polícia rodoviária federal para dispersar os grevistas; a ausência de representantes da base da esquerda, a fim de ouvir as demandas da classe trabalhadora (exceto os dois professores que fazem o contraponto com a maioria dos que manifestam sua opinião). 

A chegada desses dois personagens, inclusive, cria um momento de tensão entre alguns grevistas, pois eles sentem-se ameaçados com as vozes dissonantes. É um dos pontos altos do filme, bem como a ação dos agentes da Polícia Rodoviária Federal quando vão registrar as placas dos caminhões estacionados nas imediações do posto de gasolina.

"Bloqueio" caracteriza-se como um cinema de guerrilha (baixíssimo orçamento), realizado de forma rápida, que por conta da curadoria do 51o Festival de Brasília, pode ser exibido quatro meses depois de filmado. Ainda que não tenha respostas para muitas questões, o filme serve de alerta para a falta de entendimento de uma parcela da população trabalhadora, sobre as mazelas da Ditadura Militar. Há muito o que melhorar no país e só nos resta acreditar que o lado contrário ao pensamento dessa massa,  presente no documentário, faça a diferença nas próximas eleições. Intervenção Militar Jamais!!

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Quarto Dia)- "Luna"

Luna_http://bangalocult.blogspot.com
Cena de "Luna" de Cris Azzi 

Luna_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
Ana Clara Ligeiro, Eduarda Fernandes e Cris Azzi no debate sobre "Luna"

Depois de "Torre das Donzelas", exibido no primeiro dia de competição do 51o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, outro filme que provocou reações extremamente positivas da plateia, foi "Luna" de Cris Azzi. Primeiro longa-metragem de ficção do diretor mineiro, "Luna" aborda um tema que está na ordem do dia: o vazamento de vídeos, nas redes sociais, com conteúdo erótico envolvendo adolescentes, que terminam sendo vítimas de bullying pelos colegas.

Outro filme recente, da safra brasileira com temática similar, é "Ferrugem" do Aly Muritiba, que venceu os prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro no último Festival de Gramado. Ao contrário, porém, do ponto de vista escolhido pelo cineasta paranaense, além da maneira como conclui a narrativa, Azzi conduz "Luna" para um outro caminho, atravessando um período da adolescência da protagonista, onde sua vida será tomada por um turbilhão de situações e questões, sendo o bullying um motor dramático.

A história se passa na Grande BH, em Nova Lima (a maioria do filme teve como locação o Jardim Canadá), onde Luana "Luna" (Eduarda Fernandes) vive com sua mãe (Lira Ribas). Com uma certa popularidade, por conta dos brigadeiros que comercializa na escola, Luna vê sua curiosidade aguçada com a chegada de uma nova aluna, a reservada Emília (Ana Clara Ligeiro). O fascínio que desenvolve pela garota de cabelos curtos, descoloridos, segue um crescente. Não tarda, Luna vê-se atraída sexualmente por Emília que, percebendo a intenção da colega, convida-a a participar de jogos eróticos, via stripchats.

Emília grava uma dessas performances de Luna e envia-lhe por whatsapp. A ação é de perigo iminente e como no prólogo do filme vemos os colegas de sala de Luna, compartilhando o vídeo entre amigos, sabemos que o vazamento é uma questão de tempo. Mas quem o divulgará e por quê ? Não só, é surpreendente a autoria da ação, como a reação de Luna ao bullying. Esse é o grande trunfo que Cris Azzi tem na manga: o domínio da dramaturgia. No roteiro, de sua autoria, ele traça um caminho labiríntico, para que o espectador percorra, até encontrar a resposta para suas dúvidas, alcançando um final poderoso. 

Porém, isso não se sustentaria, se não fosse a dupla de atrizes protagonistas. Estreantes no cinema, Ana Clara Ligeiro (23 anos) e Eduarda Fernandes (20) são alunas de teatro no Centro de Formação Artística/Palácio das Artes (Cefar), em Belo Horizonte, há pouco mais de um ano. É espantosa a atuação de ambas, tendo em vista a desenvoltura nas cenas de nudez, sexo, além da potência dramática exigida em certas sequências (as cenas de desespero de Luna).

Segundo Cris Azzi, o resultado alcançado foi fruto de muita conversa com as meninas, na fase de pré-produção, com a preparação de elenco, ensaios e muito diálogo com ele e o diretor de fotografia, Luís Abramo. "Já nos ensaios, apresentamos a câmera para elas, a fim de quebrar com aquela barreira normal, que se forma no set, no período de filmagem. Há cenas em que o Luís colocava a câmera muito próximo dos rostos da Ana e da Eduarda e elas precisavam se familiarizar com esse processo. O roteiro também contou com uma colaboração das meninas. Muitas falas que ouvimos no filme, são de autoria delas. Faltando uma semana para o inicio das filmagens, o roteiro foi revisitado", explica.

Além disso, diariamente, após um dia de filmagem, Cris Azzi refletia sobre as imagens captadas nas cenas do dia. Foi esse exercício que proporcionou repetições de takes e correções. Um exemplo disso, foi a repetição da cena em que Luana dança para Emília diante de uma webcam. "Optamos por repeti-la com o plano mais fechado", diz Azzi.
O filme também ganha força nas cenas performáticas de Luana (reais ou delirantes) em que são usadas máscaras confeccionadas pela diretora de arte Maíra Mesquita. O talento da diretora de arte também perpassa pela idealização de certos ambientes (local da festa noturna, o quarto de Luana), aliado ao figurino de Caroleta Maurício.

Ainda que certos temas sejam apresentados, mas não desenvolvidos profundamente (poliamor, tentativa de estupro) "Luna" traduz-se como um filme edificante em torno de temas urgentes como sororidade e empoderamento feminino. Por conta do viés político do Festival de Brasília, torna-se um forte candidato a levar alguns candangos para casa. Aguardemos!!

51o Festival de Brasília (Quarto Dia)- "Fabiana"


Fabiana_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
 As Brunas Carvalho e Laboissière durante debate com a crítica Yale Gontijo

Geralmente, tenho escrito sobre os filmes da Mostra Competitiva do 51o Fest Brasília, mas abrirei espaço, sempre que possível, para filmes que mereçam destaque da Mostra Paralela. É o caso do documentário "Fabiana" de Brunna Laboissière, que acompanha a última viagem da caminhoneira transexual Fabiana Camila Ferreira, antes de sua aposentadoria.

O encontro das duas, deu-se por acaso, em 2012, numa das vezes, que Brunna solicitou carona para fazer o percurso São Paulo (onde foi estudar Arquitetura e Urbanismo)- Goiânia (sua cidade natal).  O hábito de percorrer o país ao lado de anônimos, talentosos contadores de histórias, proporcionou-lhe a oportunidade de conhecer uma personagem singular como Fabiana. Por que não, registrar parte de sua vida ?

Ao saber que Fabiana iria se aposentar em breve, a diretora estreante escreveu um projeto de documentário e foi contemplada pelo edital do Rumos Itaú Cultural (2015-2016), com um orçamento de R$ 250 mil. Munida do equipamento necessário para realização do longa-metragem, Brunna percorreu 11 mil km na boleia do caminhão que a transexual transportava frutas.

Durante a viagem que durou 28 dias, a diretora não só captou imagens de um Brasil central pouco explorado pelos telejornais, como também registrou 80 horas de material com a personagem-título relatando sua origem pobre no interior goiano (Jataí), seus casos amorosos, sua condição de mãe, sua fé e a relação com Priscila Cardoso (sua companheira trans, na época das filmagens).

A protagonista, porém, não deu margem para que a temática do preconceito fosse abordada. Não há um conflito estabelecido no documentário. "A falta de conflito, dá-se por conta de um certo controle de Fabiana na direção do filme. Ela queria que o documentário mostrasse a conquista dela na estrada, nesse lugar de mulher transexual", explica a diretora. Nem por isso, o longa deixa de ser interessante, revelando uma mulher simples, sensível, com uma sexualidade à flor da pele e, talvez, o mais importante: muito "dona de si".

Brunna também registra o acaso, como a cena em que o caminhão pifa no meio da estrada. Fabiana tenta resolver o problema de um filtro, que parece preso à engrenagem, em vão. O tempo vai passando, anoitece e, mesmo sem iluminação, um experiente mecânico tateia as peças, encontrando uma solução. É interessante também a "virada" que o filme sofre, com a chegada de Priscila Cardoso, namorada de Fabiana. Ela se espreme na boleia e embarca nesse road movie que culmina com a festa de Reveillon (2016/2017) no município de Estreito (MA). Nessa sequência, apesar de não ouvirmos o que as duas cochicham, percebe-se uma inquietação da protagonista, por causa de ciúmes.

Se nos 2/3 iniciais da película, a figura de Fabiana vai tomando um contorno muito particular, a partir da entrada de Priscila em cena, essa figura vai sendo desconstruída, gradativamente, tornando-a contraditória e complexa. O resultado, no entanto, não depõe contra a caminhoneira, fruto da cumplicidade construída entre ela e a diretora que conduz o filme com uma afetuosidade na medida, balanceada pela montadora Bruna Carvalho.

O único ponto frágil do filme, em termos técnicos, diz repeito ao som (há trechos de falas de Fabiana que não estão bem audíveis) . Em parte, isso aconteceu por conta do espaço de filmagem que limitava o uso de equipamentos adequados, bem como a presença de um operador de som. Deficiências que não tiram o encanto e a importância do filme, como exemplo de resistência e conquista de espaço de uma caminhoneira transexual com mais de 30 anos de estrada.

"Fabiana" foi premiado com o Prêmio de Público no Olhar de Cinema- Festival Internacional de Curitiba 2018.


terça-feira, 18 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Terceiro Dia)- "New Life S.A."

Demorei para escrever sobre o 3o dia de programação de Mostra Competitiva, do 51o Fest Brasília, porque ainda estava digerindo o filme "New Life S.A." do brasiliense André Carvalheira. É bom que se diga, que a Mostra Competitiva de Curta, ocorre pouco antes da exibição dos longas concorrentes, mas ainda não vi nada dessa categoria que merecesse uma linhas por aqui. Até agora, foram exibidos "Boca de Loba" de Bárbara Cabeça; "Kairo" de Fabio Rodrigo; "Liberdade" de Pedro Nishi e Vinícius Silva; "Sempre Verei Cores no Seu Cinza" de Anabela Roque.

Voltando ao longa-metragem de Carvalheira, apesar de ser um experiente diretor de fotografia, não conseguiu obter êxito na sua primeira investida na direção de um longa-metragem. Isso porque, o diretor usou como referência para criar sua pseudo produção surrealista, o cinema do mestre Luis Buñuel, mas sem o talento do mesmo, para construir sátiras ao estilo de "O Discreto Charme da Burguesia",  seu "New Life S.A." aproxima-se mais de um realismo grotesco.

No início, o filme parece querer flertar com o humor, quando vemos um político gravando dentro de um carro, sua propaganda eleitoral. O personagem é uma caricatura do que vemos, diariamente, no horário eleitoral gratuito. No entanto, à medida que a narrativa vai se desenvolvendo, deparamo-nos com situações tão bizarras- como a cena da família "new life", conceito de família ideal encenada por atores num stand de vendas imobiliário- intercaladas com uma tentativa de dramatização- quando um dos operários sofre um acidente- que o espectador, ao invés de embarcar na trama, tende a rejeitá-la.

O arquiteto Augusto (Renan Rovida) trabalha para uma construtora que está erguendo um empreendimento imobiliário numa área ambiental. Em frente à obra há uma ocupação de moradores sem teto e, obviamente, o dono da construtora pretende "limpar" a área para ampliar o negócio e obter mais lucro. Augusto, um homem de boa índole, opõe-se a qualquer violência contra a comunidade, porém é mais um empregado, sem ter poder de decisão.

Se os problemas no trabalho já são preocupantes, em casa, a situação ainda é pior: o casamento está por um fio, com a mulher mergulhada num estado de depressão (pós-parto ?), sem querer cuidar do filho de poucos meses e o casal sem ter muito o que dialogar. Augusto, então, mergulha  no trabalho, sem se dar conta com as consequências nefastas que isso pode gerar. A princípio resistente, o arquiteto, gradativamente, vai se contaminando com as mazelas inerentes ao esquema que toma conta do país, envolvendo políticos, grandes empresários e o judiciário.

Se "New Life S.A." pretendia ser uma sátira da burguesia brasileira, não conseguiu alcançar o resultado, satisfatoriamente. Ora pela escolha de personagens e situações estereotipadas- como a venda de armas no subterrâneo para políticos e empresários-, ora pela opção de uma narrativa fragmentada por esquetes, ou ainda pela exposição de situações inaceitáveis, como o estupro da esposa por Augusto ou a cena final que fica no meio do caminho entre um exercício motivacional e um ato de incitação à violência.

Em tempos nefastos, o filme pode ser levado a sério demais, por parte da plateia, alcançado um resultado inverso ao pretendido. O tiro parece que saiu pela culatra!! 

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Segundo Dia)- "Los Silencios"


Los Silencios_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
 Seigner (segunda, da esq. para dir.) e parte da equipe de "Los Silencios"

Maria Paula Peña e Enrique Díaz, atores de "Los Silencios"

Continuando a escrever sobre o 2o dia de programação da Mostra Competitiva, detenho-me, agora, no filme "Los Silencios", o segundo longa-metragem exibido na noite de sábado, no Cine Brasília.  Dirigida por Beatriz Seigner, a co-produção brasileira-franco-colombiana centra-se na história de uma mãe, Amparo (Marleyda Soto) e seus dois filhos: Núria (Maria Paula Tabares Peña), de 12 anos e Fabio (Adolfo Savinvino), de 9 anos. 

Colombianos, o trio está fugindo dos conflitos armados do país natal, na região Amazônica, e segue em direção a uma ilha fronteiriça- La Isla da Fantasia- entre o Brasil, a Colômbia e o Peru. Lá, a família tenta recomeçar a vida, tendo a ajuda da avó (Doña Albina) de Amparo, enquanto esta reivindica junto às autoridades, uma indenização pela morte do marido brasileiro, Adão (Enrique Díaz)- supostamente morto num acidente de trabalho-, e um visto para entrar no Brasil. Mas sem um corpo identificado e sem dinheiro para tocar o processo, Amparo esbarra na burocracia e torna-se alvo de advogados inescrupulosos.

Seus problemas não param por aí. Fabio parece irascível por conta da mudança de escola e adaptação à nova vida. Descontente com a falta de dinheiro em casa, ele aventa a possibilidade de trabalhar, o que contraria a mãe. Núria, por sua vez, deixa de interagir com a mãe e o irmão, após encontrar o pai escondido na palafita onde passam a morar.

Com forte influência do cinema asiático- "Los Silencios" aproxima-se de "Lola" de Brillante Mendonza e dos filmes de Apichatpong Weerasethakul-, Seigner aborda de forma poética a questão da morte, apoiando-se nas histórias fantasmagóricas que cercam a Ilha da Fantasia. Também não deixa de denunciar a questão imigratória na América Latina e o descaso estatal para com os povos (muitos destes, indígenas) afetados pelos conflitos armados no coração amazônico.

O roteiro, de certa forma intrigante, recebe suporte da fotografia exuberante, assinada pela colombiana Sofia Oggioni e a captação de som feita pelo cubano Rubén Valdes, funcionam como hipnóticos que conduzem o espectador para um lugar mágico, etéreo, fronteiriço entre a vida e a morte. Para o espectador só resta estar de "coração aberto", para navegar pelas águas encantadas que margeiam a Ilha da Fantasia.

Assista ao trailer:



domingo, 16 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Segundo Dia)- "Torre das Donzelas"


51o Festival de Brasília_Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com

Apresentação de "Torre das Donzelas" no Cine Brasília 
51o Festival de Brasília_Torre das Donzelas"_http://bangalocult.blogspot.com
Susanna Lira apresenta as ex-presas políticas ao público
51o Festival de Brasília_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
Lira e algumas das militantes políticas após o debate de "Torre das Donzelas"

Pode-se dizer que a 51a edição do Fest Brasília começou, de fato, ontem, com as exibições de "Torre das Donzelas" de Suzanna Lira e "Los Silencios" de Beatriz Seigner (leia mais sobre esse filme, na próxima postagem). Isso, porque, apesar de ser o primeiro dia de Mostra Competitiva, devido à aclamação dos espectadores, após a exibição do documentário da carioca Lira, ouso arriscar que o Prêmio de Público para o Melhor Filme dessa edição do festival já tem destino certo.

O filme foi aplaudido, não só durante a sua projeção (em pelo menos quatro ocasiões, que eu me recorde), como também ao final, principalmente, quando as fotos de cada uma das 25 ex-presas políticas foram surgindo, com informações que as identificavam.  O plus é que boa parte dessas mulheres aguerridas estavam na plateia, assistindo pela primeira vez a essa produção de formato ousado e criativo. Foi uma sessão emocionante e, mais do que isso, reveladora.

Susanna Lira conseguiu extrair depoimentos potentes das ex-companheiras de cela da Torre das Donzelas -parte do Presídio Tiradentes, demolido em 1972- que abrigavam presas políticas. Histórias que foram silenciadas há mais de quatro décadas e que vieram à tona, há alguns anos, quando a documentarista de longas como "Clara Estrela" (2017), "Damas do Samba" (2015), "Positivas" (2010), foi ao encontro de Rita Sipahi, conselheira da Comissão da da Anistia.

Se, no início, Sipahi viu com descrença o projeto de Lira, ao se reunir com ela e outras ex-colegas de prisão, a confiança foi sendo conquistada e, não tardou, para a fase de entrevistas começar. "Eu fui colhendo depoimentos das mulheres ao longo de um tempo, conversas que duravam três, quatro horas. Numa terceira fase, conduzi as filmagens num estúdio em São Paulo, onde foi montado o cenário, simulando interior da Torre, a partir das descrições do ambiente por cada uma delas", explica a diretora.

Tendo como uma de suas referências, "Dogville" de Lars Von Trier, a documentarista juntamente com a diretora de arte, Glauce Queiroz,  reconstituíram o interior da Torre, o mais fielmente possível. O resultado foi exitoso, tendo o cenário funcionado como uma instalação-dispositivo da memória. "O cenário ficou montado durante 10 dias e consumiu boa parte do orçamento. Fizemos questão de reproduzi-lo, porque apostamos no efeito emotivo que ele poderia causar nas entrevistadas. Também foi o momento de reencontro de muitas delas, que não se viam há tempos. Penso que a fala das testemunhas precisava ser valorizada pelo ambiente, daí porque minha preocupação com esse conceito", diz Lira.

O documentário opta por uma estrutura de docudrama, onde um grupo de jovens atrizes voluntárias, aparecem, ocasionalmente, em situações similares a que as ex-presas viveram no passado. Essas cenas são intercaladas por depoimentos das militantes em estúdio e na "Torre" cenográfica. Segundo Susanna Lira, esse artifício serviu não só para auxiliar no desenvolvimento narrativo, mas também foi importante ao fazer com que as jovens tomassem consciência de uma parte da nossa história, vivenciando-a, ainda que nunca tenham se encontrado com "as donzelas".

Entre as depoentes estão a ex-presidenta Dilma Roussef (concedeu a entrevista, pouco tempo antes do Impeachment), Dulce Maia, Rita Sipahi, Ana Miranda, Ilda Martins da Silva,  Marlene Soccas,  Rose Nogueira e Iara Prado. São relatos que ainda chocam pelo horror de certos detalhes, mas o grande trunfo do filme é se afastar da armadilha do vitimismo. As ex-presas souberam transformar a "Torre" numa extensão de casa e usaram a alegria e a sororidade como forma de resistência. Quando poderíamos imaginar, que num ambiente hostil como o cárcere, poderia haver um desfile de modas e um baile carnavalesco?   

Outros pontos de destaque são a direção musical assinada por Flávia Tygel e a mixagem de Bernardo Uzeda. Há um cuidado todo especial com o desenho de som que nos transporta para um ambiente carcerário real. A organicidade desse componente dá-se pelo fato da captação de muitos dos ruídos gravados, serem oriundos de um presídio feminino de Pernambuco. As sequências em que são entoadas pelas mulheres "A Internacional Comunista" e a "Suíte dos Pescadores" de Dorival Caymmi são comoventes.

Pela sua potência artística e política, "Torre das Donzelas" mostra-se como um forte candidato a levar "Candangos" para casa. Aguardemos!!

Assista ao trailer:



sábado, 15 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (Primeiro Dia)

Depois de duas horas e meia de atraso e com o público que lotava as dependências do Cine Brasília , um tanto irritado, foi dada a largada, na noite de ontem, à 51a edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Os atores Chico Díaz e Letícia Sabatella comandaram a apresentação num tom descontraído, sem deixar de aludir, vez por outra, em tom de protesto, ao preocupante cenário político que se instalou no país nos últimos tempos.

Feitas as devidas homenagens ao professor e crítico Ismail Xavier e ao pioneiro da cultura brasiliense Walter Mello, ambos agraciados com a Medalha Paulo Emílio Salles Gomes, a cerimônia prosseguiu com a entrega do Prêmio Leila Diniz, à montadora Cristina Amaral e à atriz Ítala Nandi. Da mesma forma que o público aplaudiu entusiasticamente, a atriz, diretora e produtora gaúcha,  manifestou-se contrariamente ao  "monopólio" de Nandi com o microfone, quando ela interrompeu o discurso de Cristina Amaral. "Deixa ela falar", gritou uma voz feminina da plateia. Algumas palmas e resmungos vieram em seguida.

Cristina Amaral, no entanto, não só falou com propriedade sobre a participação das mulheres no audiovisual brasileiro, como, elegantemente, justificou como necessária, a interrupção feita por Ítala, pois o conteúdo dito, era relevante. Os ânimos acalmaram, por parte do público intransigente, e a cerimônia prosseguiu com a apresentação do curta documentário "Imaginário" do diretor Cristiano Burlan  e do longa-metragem "Domingo" de Clara Linhart e Fellipe Barbosa.

Sobre a ideia do curta de Cristiano Burlan, ela surgiu após o realizador de "Mataram Meu Irmão", "Fome" e "Elegia de Um Crime" decidir rodar "Em Busca de Borges" (2016) e viajar ao pequeno país europeu, atrás de material de arquivo referente Jorge Luis Borges. Não só realizou uma ficção, sobre o escritor argentino, como a partir de um acervo audiovisual de pouco mais de 70 minutos,  Burlan deu vida a "Imaginário", um documentário recheado de imagens  muito bem preservadas,  que revelam o cotidiano de uma cidade em vias de modernização, com cenas de estações de trem, do trânsito do centro urbano, desfiles militares e anônimos, visivelmente, intrigados com o "olho do cinematógrafo" que lhes fitava.

Olhando o filme, desatentamente, pode-se imaginar que aquela realidade diz respeito a São Paulo ou Rio de Janeiro do início do século XX. Principalmente, porque algumas legendas inseridas no filme, guiam-nos, pela História do Brasil, assinalando fatos marcantes da política brasileira desde o primeiro mandato de Getúlio Vargas. Aguçando a visão, no entanto, observamos que alguns letreiros de lojas ou placas de logradouros indicam que a localidade é estrangeira.

Esse choque entre imagem e discurso, irá se acentuar, a partir da inserção de discursos originais de políticos brasileiros, no período pré-ditatorial, dos anos de 1960. O ponto alto do filme é o discurso proferido pelo deputado Rubens Paiva, na Rádio Nacional, no dia 1o de abril de 1964, contra a Ditadura Militar, em que conclama os trabalhadores e estudantes paulistas a se unirem e apoiarem, em greve geral, o então deposto presidente João Goulart.

O efeito de estranhamento inicial é substituído pela contundência que é peculiar ao cineasta, acostumado a tratar de assuntos caros à sociedade brasileira, como a desigualdade de classes, a violência na periferia, o suicídio. Aqui, ao ressignificar imagens, tão distantes do contexto do discurso narrado, o objetivo talvez seja refletir sobre a inércia e uma certa letargia que toma conta da população brasileira, atualmente, diante do cenário político. O demorado take centenário do rosto do senhor de óculos escuros, com expressão atônita diante da máquina de filmar, enquanto a voz de Rubens Paiva ecoa, é a metáfora do verdadeiro horror, ao qual o filme alude.

Já "Domingo", novo filme de Fellipe Barbosa e Clara Linhart, estreou, ontem, nas telas brasileiras, após a exibição no 75o Festival de Veneza. Com roteiro assinado por Lucas Paraízo, o filme não nega as referências ao cinema de Lucrécia Martel, sobretudo, com "O Pântano" (2004). Encontramos aqui, a casa interiorana de uma família gaúcha decadente (financeiramente e moralmente), com personagens, emocionalmente, perturbados, protagonizado um mosaico de situações que beiram o surreal.

As similaridades não param por aí, se lembrarmos da cena em que a matriarca bêbada cai, no filme argentino, derrubando uma bandeja de taças de cristais e a de "Domingo", em que Ritinha está sendo assediada pelo filho adolescente do patrão e deixa algumas taças caírem no chão. Ou quando as crianças vão caçar em "O Pântano" e encontram uma vaca atolada, enquanto que em "Domingo", pais e filhos vão testar a pontaria no meio da mata e afirmar suas virilidades.

No entanto, o resultado alcançado pela dupla brasileira está longe de ser o mesmo da tarimbada cineasta argentina. A história de "Domingo" se passa no dia 1o de janeiro de 2003, data em que Luiz Inácio Lula da Silva toma posse como Presidente da República. Uma família se reúne para comemorar o Ano Novo, mas o clima que toma conta da casa, está longe de harmonioso. Não só há uma animosidade entre pais e filhos, primos e tios, sogra e nora, como um desequilíbrio no comportamento dos patrões em contraponto à lucidez dos empregados.

O filme tenta abarcar várias temáticas- questão de gênero, sexualidade, classe-, além da questão política brasileira, mas o resultado é insatisfatório. Isso dá-se, em parte, por conta da montagem picotada, com ações interrompidas a todo momento, com o intuito de sugerir mais do que mostrar; em parte, por conta do roteiro, que expõe uma diversidade de personagens interessantes, complexos, mas sem a profundidade adequada.

No elenco, Camila Morgado, Ítala Nandi, Augusto Madeira, Martha Nowill, Michael Wahrmann, Ismael Cannapele, Clementino Viscaíno, Silvania Silva.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

51a edição do Fest Brasília abre com exibição de "Imaginário" e "Domingo"

Cena de "Imaginário" de Cristiano Burlan 


Família reunida em "Domingo" de Clara Linhart e Fellipe Barbosa


Logo mais, às 19h, no Cine Brasília, será aberta a 51a edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.  A sessão Hors Concours, deste ano, contará com as exibições do curta "Imaginário" de Cristiano Burlan (SP) e do longa-metragem de ficção “Domingo” de Clara Linhart e Fellipe Barbosa (RJ). Enquanto o curta de Burlan se alinha à vocação política do Festival de Brasília e, às vésperas de uma eleição majoritária, faz um apanhado de discursos marcantes sobre a vida política do país desde os anos 1940. A trama de "Domingo"  acontece no interior do Rio Grande do Sul, no dia 1o de janeiro de 2003, dia de posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Duas famílias gaúchas se reúnem em uma mansão rural para um churrasco, enquanto seus filhos adolescentes, de hormônios à flor da pele, transformam aquela data em um dia especial. No elenco, Camila Morgado, Chay Suede e uma das homenageadas da noite, a veterana no Festival de Brasília, Íttala Nandi. O filme fará sua estreia brasileira no Festival de Brasília, logo depois de voltar de sua estreia mundial no Festival de Veneza, onde será exibido na mostra paralela Venice Days.

A noite de abertura também terá a estreia do Prêmio Leila Diniz. A premiação foi criada com inspirações na memória da atriz que, embora tenha vivido apenas 27 anos, foi um importante nome do imaginário brasileiro, sendo considerada grande ícone da liberação feminina ante a secular opressão machista. Em 2018, quem recebe o Prêmio Leila Diniz são Íttala Nandi e Cristina Amaral.

Após importante trajetória no teatro, Íttala enveredou pelo cinema, em filmes marcantes como "Pindorama" de Arnaldo Jabor, "Os Deuses e os Mortos" de Ruy Guerra, "O Homem do Pau Brasil" de Joaquim Pedro de Andrade, além de vários outros papéis marcantes na TV. A atriz também dirigiu documentários e trabalhou como produtora e dramaturga, tendo ainda sido professora e coordenadora de cursos de cinema.

Cristina Amaral aparece como premiada pela sua importância como montadora de cinema, carreira na qual atua há mais de 40 anos. Entre suas parcerias mais constantes e profícuas incluem-se trabalhos com Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach e Edgard Navarro. Cristina recebeu inúmeros prêmios, inclusive o Candango em Brasília, por 'Sua Excelência o Candidato' e 'Alma Corsária'.

Outro grande momento da cerimônia é a entrega da medalha Paulo Emílio Sales Gomes que, em sua terceira edição, será concedida aos mestres Ismail Xavier e Walter Mello. A premiação existe desde o 49º Festival de Brasília e leva o nome de Paulo Emílio, crítico e professor de cinema, além de um dos fundadores do curso de cinema da Universidade de Brasília e da Semana do Cinema Brasileiro, que viria se tornar, mais tarde, nosso prestigiado Festival de Brasília. A proposta da medalha é reconhecer, anualmente, personagens históricos no ensino, crítica e difusão do cinema brasileiro.

A noite de 14 de setembro também marca a abertura da exposição "Momento em Movimento" de Mila Petrillo. A coletânea faz parte do projeto "Por Outras Lentes" e apresenta registros de grandes personagens do cinema nacional que passaram pelo Festival de Brasília desde a década de 1980, registrados pelas lentes cuidadosas desta, que é uma das mais célebres fotógrafas radicadas no Distrito Federal. A exposição funcionará das 10h às 24h, na área externa do Cine Brasília. Na ocasião, também será lançado o site que disponibiliza parte do acervo da fotógrafa ao grande público.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

O Guitarrista Saulo Duarte lança "Avante Delírio"


Capa do disco "Avante Delírio"


Amanhã, o músico Saulo Duarte estará lançando seu quarto disco, intitulado "Avante Delírio". Esse é o primeiro trabalho solo do guitarrista e vocalista paraense, radicado em São Paulo, já que os trabalhos anteriores, foram com a banda A Unidade.

Tendo tocado com Curumin, Céu, Anelis Assumpção, entre outros artistas consagrados, Saulo Duarte contou com participações luxuosas de Marcelo Jeneci, Negro Leo, Curumin e Zé Nigro em "Avante Delírio". 

O disco, composto por 11 faixas, saiu pela gravadora independente YB Music e tem como primeiro single, "Flor do Sonho" com forte influência das músicas paraense e baiana. A faixa contém um ar de mistério e possui poucos agudos por conta da característica amadeirada do violão de nylon.

É música brasileira com influência de música brasileira: um aceno para a sonoridade do primeiro disco de Jards Macalé- "Só Morto" (1970) e ao "Tábua de Esmeralda" (1974) de Jorge Ben.



terça-feira, 11 de setembro de 2018

Marcia Castro se apresenta na Sala de Coro do TCA



Marcia Castro apresenta seu mais novo show "Do Pecadinho à Treta"


Apresentando canções que marcaram sua carreira e convidando o público a conhecer um pouco mais de sua história musical, a cantora baiana Marcia Castro leva para o palco da Sala do Coro do Teatro Castro Alves, no dia 18 de setembro, às 20h, o seu novo show, "Do Pecadinho à Treta". 

No repertório, músicas dos seus quatro álbuns já lançados - "Pecadinho" (2007); "De Pés no Chão" (2012); "Das Coisas que Surgem" (2014) e "Treta" (2017) – e histórias sobre o processo de criação, produção e repercussão das músicas escolhidas, levando o público a conhecer um pouco mais sobre sua vida e carreira, abrindo espaço para perguntas num bate-papo interativo e criativo. 

"Do Pecadinho à Treta" surge como um projeto síntese num momento de relevância artística da cantora baiana, que está de volta à Salvador realizando uma série de apresentações do seu novo disco, "Treta", lançado em dezembro do ano  passado. No mais novo disco, Marcia apresenta uma fusão de ritmos brasileiros e baianos à sonoridade eletrônica. "Treta" foi produzido pelo baiano Marcos Vaz, radicado em São Paulo, com direção criativa de Giovanni Bianco e lançado pelo selo Joia Moderna, do DJ Zé Pedro.

O show Marcia Castro faz parte da programação especial- "Terças da Música"- de retomada da Sala do Coro do Teatro Castro Alves, reaberta em julho. Os ingressos, ao preço de R$ 40 e R$ 20,  estão à venda na bilheteria do Teatro Castro Alves, nos SACs do Shopping Barra e do Shopping Bela Vista ou pelos canais da Ingresso Rápido. Acesse página de vendas em http://site.ingressorapido.com.br/tca.

domingo, 9 de setembro de 2018

"Onde Está Você, João Gilberto?" refaz o percurso de Marc Fischer em "Ho-ba-la-lá..."

"Onde Está Você, João Gilberto?" baseia-se nos arquivos de Marc Fischer

O cineasta, produtor e roteirista Georges Gachot utilizou o livro "Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto" (2012) do jornalista alemão, Marc Fischer, como fio condutor para seu mais novo documentário, "Onde Está Você, João Gilberto?".  Tendo conseguido materializar em imagens, boa parte do livro de Fischer- um delicioso mix de livro-reportagem, romance com toques autobiográficos-, o resultado do novo filme de Gachot é fascinante.

Marc Fischer perambulou pelo Rio de Janeiro durante um certo tempo, em 2010, em busca de um encontro com o fundador da Bossa Nova. Sua empreitada foi em vão, apesar da ajuda de sua fiel escudeira, Watson, e dos encontros que teve com amigos e antigos parceiros de João Gilberto. Seis anos depois,  o cineasta e admirador da Música Popular Brasileira tentou realizar o sonho de Fischer (e o seu também), seguindo os passos do jornalista alemão. Gachot, que já realizou os documentários "Maria Bethânia: Música é Perfume" (2005), "Nana Caymmi em Rio Sonata" (2010) e "O Samba" (2014), enveredou pelo mundo da Bossa e tudo que orbita em torno de João Gilberto, na tentativa de um encontro com o excêntrico cantor.

No íntimo, o público já sabe onde essa jornada vai dar, mas o fascínio de "Onde Está Você, João Gilberto?" está justamente na áurea de mistério criada, narrativamente, por Gachot (ele consegue isso, acreditem), no tom melancólico explorado em várias tomadas de um Rio, eventualmente, nublado e no humor que brota dos relatos de amigos sobre a excentricidade de João. O efeito é mágico, intimista e, por vezes, revelador.

Munido do diário e de um álbum de fotografias de Fischer, por ocasião de sua breve investigação na Cidade Maravilhosa, Gachot encontra-se com a maioria dos entrevistados presentes em "Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto". Um dos melhores momentos do documentário acontece em Diamantina, quando o diretor francês vai à procura de Geraldo (amigo de João Gilberto na juventude) e do famoso banheiro da casa da irmã do violonista, onde ele testava sua voz.

Se Marc Fischer não teve sucesso na sua empreitada em conhecer de perto João Gilberto- inclusive, não chegou a ver o livro publicado, pois morreu antes do lançamento-, pelo menos, Gachot foi bem sucedido, ao  adaptar "Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto" para a telona. Quanto à pergunta do título, assistam ao filme e descubram a resposta.


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

CINESESC recebe a 12a edição do INDIE FESTIVAL




"Os Indesejados da Europa" de Fabrizio Ferraro

"Um Elefante Sentado Inquieto" de Hu Bo


Criado em 2001, pela produtora cultural mineira Zeta Filmes, o INDIE FESTIVAL chegou à capital paulista em 2007. A 12a edição, em São Paulo, acontece de 12 a 19 de setembro no CINESESC. Esse ano, serão exibidos 14 filmes de 13 países diferentes, selecionados criteriosamente pela curadoria.

Na abertura do festival será exibido "Asako I & II" de Ryusuke Hamaguchi, baseado no livro da escritora japonesa Tomoka Shibasaki. Entre os destaques, estão a produção argentina "La Flor" de Mariano Llinás; a ópera rock de 230 minutos "Estação do Diabo" de Lav Díaz; "Um Elefante Sentado Inquieto" do chinês Hu Bo (que suicidou-se após a conclusão do filme); "Longa Jornada Noite Adentro" de Bi Gan e "A Viagem da Família" de Liang Ying.

Três diretoras apresentam seus primeiros longas:  Helena Wittmann traz "À Deriva", uma história de amor, amizade, onde o mar é o ator principal; Zsófia Szilágyi mostrará "Um Dia", Prêmio FIPRESCI na Semana da Crítica de Cannes e a polonesa Jagoda Szelc estreia com o filme "Torre, um Dia Brilhante", um suspense premiado como Melhor Primeiro Filme no Polish Film Festival.

James Benning participa com "L. Cohen"; Alberto Serra traz "Rei Sol";  Pablo Sigg mostra "Lamaland" e Fabrizio Ferraro retrata em "Os Indesejados da Europa", uma rota de fuga através dos Pirineus que levou antifascistas, estrangeiros e judeus em fuga na França.

O INDIE Festival é uma realização conjunta da produtora Zeta Filmes e do SESC SP e conta com o apoio institucional da Fundação Japão.

domingo, 2 de setembro de 2018

O Menino, a Neve e o Sonho


Takara não desiste de seu sonho


Em 2016, o diretor francês Damien Manivel lançou o intrigante "O Parque", onde acompanhamos o passeio de um casal de namorados no referido espaço verde do título. Ao longo de 70 minutos, Manivel exercita seu talento de instigar o espectador, construindo uma atmosfera de apreensão, através de pouca ação, diálogos banais e interpretações um tanto forçadas. O resultado é, surpreendentemente, interessante, sobretudo pela virada sofrida na história, no seu terço final 

Agora, seu trabalho mais recente- "Takara- a Noite em que Nadei-", pode ser visto no Cinema Vitória. Na co-produção franco-nipônica, em que dividiu a direção com Kohei Igarashi, o minimalismo que é peculiar a Manivel ganha contornos mais radicais: nenhum diálogo é dito nos 83 minutos de duração. Apenas seguimos os passos do garoto Takara (Takara Kogawa), com aproximadamente seis anos, que após uma noite insone, desvia o seu trajeto a caminho da escola, na manhã seguinte.

Numa cidade no interior do Japão, num rigoroso inverno, o pequeno Takara perambula pela neve alta, munido apenas de sua mochila e de um desenho, feito por ele, em que se vê um peixe, um homem  e o mar. Enquanto Takara sabe exatamente onde quer chegar -ainda que o melhor trajeto para alcançar seu destino, seja um tanto incerto-, resta ao espectador um pouco de paciência para entender, de fato, qual o objetivo de sua jornada.

Os diretores não têm pressa. Assumem o risco oferecendo ao público um cinema contemplativo, sensorial (reparem no apuro da mixagem de som), onde, paulatinamente, a natureza vai se impondo como um grande obstáculo ao frágil protagonista. O misto de ingenuidade e determinação de Takara, talvez, seja o grande trunfo do filme que para além de acompanhar a busca do protagonista, não deixa de fazer uma crítica à incomunicabilidade da sociedade contemporânea e ao distanciamento entre pais e filhos, muitas vezes imposto pelo trabalho.