domingo, 23 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Sétimo Dia)- "A Sombra do Pai"


A Sombra do Pai_Festival de Brasília_http://bangalocult.blogspot.com
Dalva e Jorge tentam a reaproximação em "A Sombra do Pai"


Esse parece ser o ano da cineasta baiana Gabriela Amaral Almeida. Nem bem "O Animal Cordial" saiu do circuito nacional, agora, é apresentado o seu mais novo filme no 51o Festival de Brasília- "A Sombra do Pai"- um belo representante do gênero terror que não se contenta apenas em dar sustos, mas, sobretudo, reflete sobre a condição humana na contemporaneidade, sobre o horror social.

Basicamente, a história envolve três personagens: o operário da construção civil, Jorge (Júlio Machado), sua irmã, Cristina (Luciana Paes) e Dalva (Nina Medeiros), filha do pedreiro. Apesar de todos morarem sob o mesmo teto, há um certo mal estar nas relações entre eles. Jorge parece não ter superado a morte da esposa (tudo indica que vítima de complicações no parto), enquanto Cristina mantém uma relação  maternal com a sobrinha de 9 anos, demonstrando-lhe, inclusive, a fé que nutre por simpatias e mandingas para conseguir um marido. 

Sentindo-se rejeitada pelo pai, Dalva estreita os laços com a tia e vê com encantamento os rituais realizados por ela, desenvolvendo a crença de que também tem o poder de mudar o destino da sua vida e dos outros. Fã de filmes de terror, apesar da pouca idade, Dalva vai se identificando com o universo ficcional habitado por fantasmas e zumbis, principalmente, quando seu pai traz do cemitério, restos mortais da esposa (como seu cabelo trançado e dois dentes caninos) e presenteia-a  com esses elementos.

O comportamento retraído de Jorge, piora com a morte de um companheiro de trabalho (Eduardo Gomes) e com a saída de Cristina de casa, por conta de seu casamento. Sozinho com Dalva, Júlio sente-se cada vez mais sufocado em meio aos sentimentos represados. Ele não só repreende a filha, quando ela age semelhantemente a Cristina, testando poderes sobrenaturais (na tentativa de se comunicar com a mãe morta), como se esquiva de qualquer possibilidade de aproximação com a menina. 

Cada um dos personagens, procura à sua maneira, sobreviver a esse mundo familiar dominado pela incomunicabilidade e distanciamento afetivo. Enquanto, as personagens femininas lidam melhor com as adversidades que a vida lhes proporciona (a perda, o distanciamento, a solidão), apegando-se a uma crença, Jorge, que é descrente, nutrindo um horror interno, sucumbe à deterioração psicológica e física tornando-se um verdadeiro "zumbi".

Parte do sucesso do filme dá-se pela escolha, extremamente acertada, do elenco principal. O trabalho corporal e de expressão facial de Júlio Machado é impressionante, bastando se atentar para a transformação que seu personagem sofre ao longo da narrativa. Luciana Paes (que já trabalhou com a diretora em "A Mão Que Afaga" e "O Animal Cordial") dá vida a uma Cristina que aposta no sobrenatural para suportar suas incompletudes na ordem do terreno, do racional. Nina Medeiros (que rouba a cena do protagonista mirim de "As Boas Maneiras"), mais uma vez domina o espaço cênico e interage com os atores adultos em pé de igualdade, sem contar a naturalidade de sua performance em cenas delicadas como aquela em que cuida do ferimento do pai ou quando é encontrada dentro do armário pela tia.

Tomando como referências filmes cults do gênero terror, a exemplo de "A Noite dos Mortos-Vivos" (1968) de George Romero e "Cemitério Maldito" (1989) de Mary Lambert, Gabriela Amaral constrói uma atmosfera, gradativamente, aterrorizante em "A Sombra do Pai", lançando mão de elementos como a trilha sonora (assinada por Rafael Cavalcante), som e design de som (Gabriela Cunha e Daniel Turini) e a direção de arte (Valdy Lopes) como auxiliares nessa composição.

É gratificante perceber que uma diretora jovem como Gabriela Amaral, egressa da Escuela Internacional de Cine y Televisíon de Cuba, onde estudou roteiro e com a carreira ainda em formação (são apenas três curtas e dois longas-metragens), já demonstre maturidade no fazer cinema, seja na direção e na elaboração de roteiros para seus filmes de horror.  (seria a admiração de diretores rigorosos a exemplo de Hitchcock e Douglas Sirk ?)

Não seria nada mal, se o seu trabalho fosse reconhecido pelo Júri Oficial do 51o Festival de Brasília. Oxalá!!

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