quarta-feira, 19 de setembro de 2018

51o Festival de Brasília (Quarto Dia)- "Fabiana"


Fabiana_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
 As Brunas Carvalho e Laboissière durante debate com a crítica Yale Gontijo

Geralmente, tenho escrito sobre os filmes da Mostra Competitiva do 51o Fest Brasília, mas abrirei espaço, sempre que possível, para filmes que mereçam destaque da Mostra Paralela. É o caso do documentário "Fabiana" de Brunna Laboissière, que acompanha a última viagem da caminhoneira transexual Fabiana Camila Ferreira, antes de sua aposentadoria.

O encontro das duas, deu-se por acaso, em 2012, numa das vezes, que Brunna solicitou carona para fazer o percurso São Paulo (onde foi estudar Arquitetura e Urbanismo)- Goiânia (sua cidade natal).  O hábito de percorrer o país ao lado de anônimos, talentosos contadores de histórias, proporcionou-lhe a oportunidade de conhecer uma personagem singular como Fabiana. Por que não, registrar parte de sua vida ?

Ao saber que Fabiana iria se aposentar em breve, a diretora estreante escreveu um projeto de documentário e foi contemplada pelo edital do Rumos Itaú Cultural (2015-2016), com um orçamento de R$ 250 mil. Munida do equipamento necessário para realização do longa-metragem, Brunna percorreu 11 mil km na boleia do caminhão que a transexual transportava frutas.

Durante a viagem que durou 28 dias, a diretora não só captou imagens de um Brasil central pouco explorado pelos telejornais, como também registrou 80 horas de material com a personagem-título relatando sua origem pobre no interior goiano (Jataí), seus casos amorosos, sua condição de mãe, sua fé e a relação com Priscila Cardoso (sua companheira trans, na época das filmagens).

A protagonista, porém, não deu margem para que a temática do preconceito fosse abordada. Não há um conflito estabelecido no documentário. "A falta de conflito, dá-se por conta de um certo controle de Fabiana na direção do filme. Ela queria que o documentário mostrasse a conquista dela na estrada, nesse lugar de mulher transexual", explica a diretora. Nem por isso, o longa deixa de ser interessante, revelando uma mulher simples, sensível, com uma sexualidade à flor da pele e, talvez, o mais importante: muito "dona de si".

Brunna também registra o acaso, como a cena em que o caminhão pifa no meio da estrada. Fabiana tenta resolver o problema de um filtro, que parece preso à engrenagem, em vão. O tempo vai passando, anoitece e, mesmo sem iluminação, um experiente mecânico tateia as peças, encontrando uma solução. É interessante também a "virada" que o filme sofre, com a chegada de Priscila Cardoso, namorada de Fabiana. Ela se espreme na boleia e embarca nesse road movie que culmina com a festa de Reveillon (2016/2017) no município de Estreito (MA). Nessa sequência, apesar de não ouvirmos o que as duas cochicham, percebe-se uma inquietação da protagonista, por causa de ciúmes.

Se nos 2/3 iniciais da película, a figura de Fabiana vai tomando um contorno muito particular, a partir da entrada de Priscila em cena, essa figura vai sendo desconstruída, gradativamente, tornando-a contraditória e complexa. O resultado, no entanto, não depõe contra a caminhoneira, fruto da cumplicidade construída entre ela e a diretora que conduz o filme com uma afetuosidade na medida, balanceada pela montadora Bruna Carvalho.

O único ponto frágil do filme, em termos técnicos, diz repeito ao som (há trechos de falas de Fabiana que não estão bem audíveis) . Em parte, isso aconteceu por conta do espaço de filmagem que limitava o uso de equipamentos adequados, bem como a presença de um operador de som. Deficiências que não tiram o encanto e a importância do filme, como exemplo de resistência e conquista de espaço de uma caminhoneira transexual com mais de 30 anos de estrada.

"Fabiana" foi premiado com o Prêmio de Público no Olhar de Cinema- Festival Internacional de Curitiba 2018.


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