segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Solidão a Dois





“O Homem das Multidões” - vencedor das categorias Melhor Longa-metragem e Melhor Ator no Curta-SE 14-  estreia hoje, no Cine Vitória. Dirigido a quatro mãos, pelo mineiro Cao Guimarães e pelo pernambucano Marcelo Gomes, o filme é baseado no conto homônimo de Edgar Allan Poe e aborda, de maneira delicada, o tema da solidão.

Juvenal (vivido pelo ator Paulo André, do grupo Galpão) é um condutor de trens, extremamente disciplinado, que vive sozinho numa sala comercial, adaptada como quitinete. Sem amigos e na faixa dos 40 anos, Juvenal preenche boa parte do seu tempo com muito trabalho e, nas horas vagas, perambula pelas ruas, pelas estações, observando o fervilhar do centro de Belo Horizonte. 

Margô (Silvia Lourenço) é controladora do fluxo de trens na mesma empresa que Juvenal. Funcionária aplicada, ela mora com o pai (Jean-Claude Bernardet) e está prestes a se casar com um rapaz que conheceu pela internet. A princípio distantes, os dois vão se aproximando quase que, instintivamente, e não tardam a descobrir que possuem mais afinidades do que disparidades. Porém, seriam eles capazes de liberar as emoções reprimidas ?  

É o que os diretores nos faz conferir, ao longo dos quase 100 minutos de projeção. Diga-se, uma projeção que foge ao modelo tradicional- já que a tela retangular horizontalizada cede ao formato quadrangular (3 x 3), mais restrito- provocando um estranhamento inevitável no espectador. Contudo, esse experimentalismo é um dos pontos altos do filme, implicando uma reconfiguração da relação câmera-atores-espaço e num trabalho de mise en scène primoroso.

A câmera acompanha Juvenal, não no ritmo frenético com que a cidade tenta engoli-lo, mas no seu próprio compasso de espera. Já Margô, ao iniciar o contato “real” com seu colega de trabalho, parece ter encontrado um sentido para sua vida, além dos monitores que a cercam dia e noite. Ambos, porém, expressam-se de forma contida, com poucos diálogos e gestos sutis. 

Enquanto os planos fixos predominam na primeira parte do filme, quando a trama se concentra mais no cotidiano de Juvenal, num segundo momento, os movimentos fluidos da câmera acompanham os dois personagens em seus encontros cada vez mais frequentes. Destaque para a fotografia desbotada de Ivo Lopes Araújo e a escolha por filmar através de anteparos, reforçando o distanciamento dos personagens com o resto do mundo. 

O filme, que ganhou o Grande Prêmio do 26º Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse (França) dois troféus no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara (México), dentre outros, encerra de forma brilhante, a trilogia de filmes sobre a solidão dirigida por Cao Guimarães (“A Alma do Osso” (2005) e “Andarilho” (2007)). É cinema de uma poesia estética arrebatadora!!






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