quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Ocupação Laerte no Itaú Cultural





Até 2 de novembro, o Itaú Cultural, em São Paulo, apresenta na Ocupação Laerte os vários caminhos artísticos e militâncias políticas e sociais da criadora dos Piratas do Tietê. Com curadoria de seu filho, o artista visual, roteirista e quadrinista Rafael Coutinho, a exposição conta com a cenografia de Fred Teixeira e a coordenação do Núcleo de Audiovisual e Literatura e as atividades educativas do Núcleo de Educação e Relacionamento. 

Como se fosse um emaranhado novelo de lã, nas palavras do curador, a mostra apresenta cartuns, desenhos, quadrinhos, ilustrações, curtas-metragens. Ela ocupa 120 m² do espaço expositivo, onde o visitante encontra cerca de 2 mil obras, entre elas uma autocaricatura da quadrinista dançando com o Minotauro, feita especialmente para a exposição. Do total de obras, cerca de 300 são originais, 400 imagens digitais em tablets e aproximadamente 1500 impressas –, selecionadas entre milhares, com destaque para um painel ao fundo da exposição com exatas 900 tiras. 

Idealizada como um labirinto, em que o visitante decide por qual das cinco entradas e saídas começa e termina o percurso, a Ocupação Laerte traz desde desenhos que ele fez quando tinha 8 anos, em registros remotos de 1958-1959 até hoje. “O eixo dos anos 80 se destaca porque é onde está a maior quantidade de suas obras”, conta Rafael, afirmando emocionado, que, mesmo sendo filho de Laerte, não conhecia a totalidade do trabalho do pai. 

Outra trajetória importante do labirinto, ainda de acordo com o curador, será a dos tempos do sindicato. “São as tirinhas que ficaram presas na memória de um período político importante – o da ditadura militar – e permaneceram nos arquivos da OBORÉ por muito tempo”, diz. A seleção das obras deu espaço ainda a tiras publicadas nos principais jornais do país, na militância na revista Balão, nas revistas de banca da editora Circo, na Placar. 

Os personagens de Laerte são mais um destaque da exposição. Piratas do Tietê, a Muchacha, os moradores de O Condomínio, Deus, Overman, Muriel, a versão travestida de Hugo, e Los 3 Amigos – a célebre parceria com Angeli e Glauco –, são alguns deles. Também suas homenagens para amigos e personalidades que ela admira como Henfil, Glauco, Beethoven, Mozart. Rafael Coutinho resume: “Cada caminho leva a uma compreensão do todo. Todos juntos não levam a lugar algum. Devolvem reflexões, a multiplicidade de Laertes e a sua própria natureza: dúvidas, avaliações cautelosas, sempre evitando armadilhas morais, preconceitos e maniqueísmos no julgamento do mundo”. 

Ocupação virtual: transgênero, sindicato, contra-cultura- O vasto mundo de Laerte, com seu atual transgenerismo, sua anterior passagem pela contracultura, as ilustrações de um livro infantil, suas produções e atuações sindical e política e demais faces da cartunista, extrapolam o espaço físico do instituto e sobem para o seu site (www.itaucultural.org.br). 

Além do hotsite que naturalmente acompanha a Ocupação física, o Itaú Cultural publica uma revista virtual que revela muito do labirinto criado por Laerte, com tiras, desenhos, um ensaio fotográfico, além de textos que analisam tanto a pessoa quanto o seu trabalho. A psicanalista Letícia Lanz, também mestre em sociologia e economista, assina O gênero entre pernas, orelhas e braços onde se debruça na questão da transgeneridade a partir da artista. “Apesar das impropriedades e desacertos em torno dessa identidade de gênero, Laerte é hoje reconhecida como um dos principais ícones do mundo transgênero no Brasil”, escreve ela. 

Maria Clara Carneiro, membro do grupo Grena (Groupe de Recherche sur le Neuvième Art), da Sorbonne, fala da Contra-cultura ao contra-quadrinho. O jornalista Eduardo Conti, que trabalha na editora Companhia das Letras com literatura brasileira e quadrinhos, reflete sobre o Artista sem auge, e, por fim, revela: “A obra do Laerte me permite, todos os dias, esse entendimento involuntário. Ela está além da minha compreensão, mas me encara com paciência, serenidade e perdão recíproco.” 

A revista apresenta, ainda, a fábula do Minotauro, datilografada por Laerte ainda nos tempos das máquinas de escrever, traz um texto de seu filho Rafael, uma seleção das tirinhas do tempo sindical, dos Piratas do Tietê, histórias curtas, outras da juventude. A revista virtual apresenta um ensaio fotográfico exclusivo: No armário de Laerte, em que ela foi fotografada por André Seiti com suas bijuterias, sandálias, vestidos, texturas, cabelos longos, caras e bocas, em um apartamento no Centro de São Paulo. Na boléia com o Minotauro – outro ensaio, também exclusivo mas que será exibido somente no site do instituto – foi clicado por Rafel Roncato, em uma espécie de história em quadrinhos em que a cartunista interage com este que é um de seus célebres personagens. 

Um audiovisual, locado também no site do instituto, traz o testemunho de parceiros de Laerte em todos os tempos e de sua irmã, Marilia. Angeli fala não somente de sua estreita amizade e dos projetos que realizaram juntos – incluindo Glauco, morto a tiros em 2010 –, como também  de sua admiração pela displicência e genialidade do traço e criações da quadrinista. Sérgio Gomes, jornalista e diretor da OBORÉ, trata de suas participações no movimento sindical, nas revistas Banas, O Bicho, Placar, Pasquim e simultaneamente no jornal Gazeta Mercanti. Ele faz revelações pouco conhecidas deste período, de 1978 a 1987. O editor Toninho Mendes lembra quando criaram a editora Circo, que publicou a primeira história de Piratas do Tietê

O diretor de teatro Naum Alves de Souza adaptou A noite dos palhaços sobre roteiro de Juliano Lucas, diretor de um curta sobre esta HQ de Laerte, e fala com poesia do traço de Laerte que dialoga com o teatro, a dança, as artes visuais. Zelito e Ciça Alves Pinto também falam sobre a artista. “Deita e rola nas neuras das pessoas”, diz o caricaturista e ilustrador.

Sobre a série Ocupação- A Ocupação Laerte é a vigésima da série de ocupações promovida pelo instituto desde 2009. Criada para fomentar o diálogo da nova geração de artistas com os criadores que a influenciou, essa chancela no Itaú Cultural integra o trabalho perene do instituto com programas como o Rumos, que há 17 anos incentiva a produção contemporânea colaborando para o aprimoramento de criadores, a difusão de suas obras e a reflexão sobre a arte atual. 

As edições anteriores foram dedicadas à apresentação da produção de artistas referenciais das artes visuais (Nelson Leirner, Abraham Palatnik e Cildo Meireles), do teatro (Zé Celso, Flávio Império e Sérgio Britto), da literatura (Paulo Leminski, Haroldo de Campos, Mário de Andrade e Nelson Rodrigues), da música (Chico Science e Jards Macalé), do cinema (Rogério Sganzerla), da arte cibernética (Regina Silveira), dança (Ballet Stagium), HQ, com Angeli, uma homenagem ao multiartista pernambucano Antonio Nóbrega e uma ocupação especial sobre Zuzu Angel, em um mescla de moda e militância – para esta foram usados os três andares do espaço expositivo, além do térreo. 

Esse espaço permite que vários perfis de público tomem contato com a obra desses artistas, e, ainda, que a instituição direcione sua ação educativa para o aprofundamento e a compreensão de seu papel no universo artístico e social. 

SERVIÇO:

Ocupação Laerte 

Visitação: de 21 de setembro a 2 de novembro de 2014
De terça-feira a sexta-feira, das 9 h  às 20 h
Sábados, domingos e feriados, das 11 h às 20 h
Entrada franca
Classificação indicativa: 14 anos


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