sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Roteiro desgastado pela "Ferrugem"


Ferrugem_foto de Rosano Mauro Jr._http://bangalocult.blogspot.com
Cena de "Ferrugem" de Aly Muritiba (Foto/divulgação: Rosano Mauro Jr.)

Nos últimos tempos, em alguns festivais nacionais e internacionais, quando se premia uma obra audiovisual, a temática parece funcionar como fator preponderante nas escolhas de determinados júris. Não importa os furos de roteiro, eventuais interpretações claudicantes ou até mesmo a falta de habilidade do diretor para resolver questões primárias. Muitas vezes, vale mais a boa intenção do realizador do que propriamente a eficiência com que ele trabalha com assuntos pertinentes à contemporaneidade.

No quarto dia de programação do 8o Festival Sergipe de Audiovisual (SERCINE), pude comprovar que "Ferrugem" de Aly Muritiba, vencedor nas categorias de Melhor Filme e Melhor Roteiro no 46o Festival de Gramado, parece ter sido beneficiado por essa "nova onda", onde o apuro da linguagem cinematográfica, da escolha estética fica em segundo plano, enquanto o que vale mesmo é a relevância do tema social.

Assim como no recente "Luna" de Cris Azzi (exibido, por enquanto, no circuito de festivais), "Ferrugem" toca no tema do bullying contra garotas que tiveram vídeos eróticos disseminados por colegas via internet, levando-as a atos desesperadores. A semelhança, no entanto, para por aí. Enquanto "Luna" prima pela encenação, apoiada por uma direção segura, ótimas interpretações, roteiro bem urdido, acurada fotografia e cuidadosa direção de arte (saiu sem prêmios no Fest Brasília), "Ferrugem" apresenta "furos" no roteiro, comprometendo a verossimilhança da história; seus personagens carecem de empatia, fruto de uma certa apatia interpretativa dos atores principais e há um descuido na construção de determinadas cenas (quanto à escolha de planos, uso de clichês).

Aly Muritiba divide seu filme em duas partes, onde a primeira é dedicada ao drama de Tati e a segunda foca a reação de Renet à impulsividade da garota. Tati (Tiffany Dopke) não desgruda de seu celular. Visitando um aquário juntamente com colegas de turma e o professor de Biologia, ela se encanta com a diversidade da fauna subaquática, registrando tudo em seu smartphone. O único que a faz perder o foco no habitat  marinho artificial é o colega Renet (Giovanni de Lorenzi). Há um clima de paquera entre eles e não tarda, a oportunidade de um beijo, num  passeio noturno.

O clima romântico só será quebrado com a perda do celular de Tati, que recruta os colegas a procurarem o aparelho móvel, como se fosse uma joia rara. Ninguém teve a brilhante ideia de ligar para o número da garota, a fim de que ele tocasse ou vibrasse ao primeiro toque, de modo que o descuido de Tati levará a consequências inimagináveis. Um vídeo íntimo em que está com o ex-namorado cai na rede e Tati vira alvo de bullying. 

No "olho do furacão", a adolescente não consegue encontrar um culpado, perde, gradativamente, o apoio das amigas mais próximas e seus pais estão na iminência de descobrirem a verdade. Não tarda para o desespero bater à sua porta. A partir de então, a história mudará de rumo, permitindo ao espectador acompanhar o tímido e inconsequente Renet refletindo sobre a imprevisibilidade e crueldade humana, ao mesmo tempo que tenta lidar com questões familiares, envolvendo sua relação com os pais (Enrique Díaz e Clarissa Kiste).

"Ferrugem" peca pelo excesso, com detalhes que deveriam estar ocultos, mas terminam enaltecendo as falhas do roteiro (prefiro não citar e deixar que o internauta descubra por si só). Há um desequilíbrio também na atuação dos adultos - Enrique Díaz e Clarissa Kiste estão na medida- enquanto que Dopke e Lorenzi se esforçam em dar conta da complexidade dos personagens sem, no entanto, alcançarem um resultado convincente. Quanto à maneira da câmera se portar, parece que os planos foram escolhidos ao acaso, sem um rigor na composição do quadro, que poderia auxiliar muito no resultado dramatúrgico.

Infelizmente, é um filme cheio de boas intenções, cujo resultado deixa muito a desejar. Uma pena!

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