domingo, 22 de julho de 2018

O Despertar da Sra. J

"Réquiem Para a Sra. J"_http://bangalocult.blogspot.com
Sra. J resolvendo questões de última hora

Os primeiros planos de "Réquiem Para a Sra. J" de Bojan Vuletic revelam uma habitação caótica, com cômodos extremamente desarrumados e a sujeira distribuída sobre os móveis. Não tarda, vemos uma senhora de meia-idade, sentada na cabeceira da mesa da sala, armando uma pistola. Sua sogra (Mira Banjac) sai do quarto, no lado oposto do quadro e se dirige até a cozinha, para pegar algo na geladeira, mas parece não se importar com o que a outra mulher faz. O clima é desolador e o silêncio paira nesse ambiente em que os vivos parecem vagar como almas penadas.

A Sra. J (Mirjana Karanovic) parece ter desistido de viver (e motivos não faltam). Antes, porém, de colocar seu plano em prática, precisa resolver algumas pendências, como a preparação da lápide de sua sepultura- conjunta com o marido morto há um ano; a devolução de uma cadeira emprestada e a renovação do seguro-saúde, que deve assegurar o futuro das filhas Koviljka (Danica Nedeljkovic) e Ana (Jovana Gravilovic). O que parece fácil, transformar-se-á numa verdadeira saga, onde a burocracia engessada, dos países socialistas europeus, ainda ecoa numa Sérvia independente, há cerca de 15 anos.

É interessante como Vuletic ameniza "nas tintas" ao criticar esse sistema, se comparado a outros filmes contemporâneos do Leste Europeu, que são mais incisivos, a exemplo dos búlgaros "A Lição" (2014) e "Glory" (2016) de Kristina Grozeva e Petar Valchanov. O diretor sérvio opta por alternar momentos dramaticamente intensos, com outros, em que o humor negro se sobressai. Exemplo do primeiro caso é o desabafo da filha Ana, perante a inércia da mãe. Já, o segundo pode ser conferido na cena da conversa que a Sra. J tem com o marmorista que preparará a lápide de seu túmulo. 

A vida da Sra. J é o reflexo de seu país natal, que tenta se reerguer após tantos conflitos internos. O diretor acertou ao compor uma trama bem urdida, com viradas discretas (mas marcantes) e um desfecho sublime, além de escalar a experiente atriz Mirjana Karanovic ("Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios", "Diário de Um Maquinista") que constrói com um naturalismo ímpar, uma mulher madura e depressiva, que não sabe lidar com as perdas que a vida lhe reservou. A escolha dos planos de conjunto, com a câmera fixa, captando espaços vazios, com uma iluminação pálida, reforça o estado de espírito da personagem-título. 

Vale destacar também, o elenco coadjuvante que contracena com Mirjana. Todos, sem exceção, estão em total sintonia com a personagem principal, a despeito de seu estado letárgico. "Réquiem Para a Sra. J" foi o indicado da Sérvia para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro desse ano. Ficou de fora da competição, mas despertou o interesse mais uma vez para com o novo cinema do Sudeste Europeu que já ofereceu aos brasileiros títulos da envergadura de "Circus Fantasticus" (2011), "Um Episódio na Vida de Um Catador de Ferro-velho" (2013), "Além das Montanhas" (2013),  "Instinto Materno" (2014), "Sieranevada" (2016), entre outros.

Nenhum comentário: