domingo, 29 de julho de 2018

Entre a Tensão, o Susto e o Riso


Ana (Marjorie Estiano) é atraída pela lua cheia em "As Boas Maneiras"


Depois de rever o ótimo filme sérvio "Réquiem Para Sr.a J." de Bojan Vuletic, ainda em cartaz no Cinema Vitória, fui assistir ao tão esperado "As Boas Maneiras". Digo tão esperado, por conta do trailer instigante que me deixou curiosa por várias semanas e pela enxurrada de críticas elogiosas, tanto de colegas brasileiros como de profissionais de outros países, onde o filme de Juliana Rojas e Marco Dutra foi exibido. No entanto,  o filme tem mais problemas que virtudes.

Confesso que fui fisgada pela primeira metade do longa-metragem, tanto pelo visual extravante do apartamento de Ana (Marjorie Estiano) apontando para uma direção de arte cuidadosa (a cargo de Fernando Zucollotto), quanto pela química entre Estiano e a atriz portuguesa Isabel Zuaa (Clara). Enquanto a primeira vive o estereótipo da filha de um manda-chuva do agronegócio do Centro-Oeste, com sotaque carregado, gosto musical duvidoso e adepta à moda sertaneja; a segunda é uma mulher negra, da periferia paulistana, que já trabalhou como auxiliar de enfermagem, mas agora, tenta se virar como babá.

Grávida de cinco meses e com muitas demandas domésticas, Ana contrata Clara, para atribuições que irão além dos cuidados com o futuro bebê. De "faz tudo", Clara tornar-se-á amante da patroa. Aqui, a questão de classe se sobressai à de gênero, sendo o modelo patronal vigente em nossa sociedade, muito bem representado pela relação de poder entre as duas mulheres. O problema é o paradoxo em criticar esse modelo, escolhendo para ocupar um dos pólos, uma mulher renegada, excluída do seio familiar por conta da gravidez "pecaminosa", mas que se empodera, ao optar por ter o filho sozinha, independente das consequências.

Clara vai se envolvendo emocionalmente com a patroa, à medida que a gestação avança, mas fatos estranhos começam a acontecer quando a lua cheia desponta no céu. O tom fantástico, marca registrada da dupla de diretores ("Trabalhar Cansa", "Quando eu Era Vivo"), manifesta-se não só com o comportamento estranho de Ana, mas também com a estilização da capital paulista. Através de efeitos visuais e de uma fotografia bem contrastada (criação do diretor de fotografia Rui Poças), a atmosfera sobrenatural e o clima de tensão se impõem. Porém, o resultado poderia ser mais interessante se o terror sugestivo predominasse em relação ao explícito, evitando clichês, a exemplo, da cena de Ana com o gato de rua.

De toda forma, a primeira parte de "As Boas Maneiras" é melhor desenvolvida que a segunda (apesar de um furo de roteiro tenebroso nessa transição) e o destaque fica por conta da atuação de Marjorie Estiano (maior do que a própria personagem). A inconsistência da história aparece na segunda metade, em situações chave (e as falhas não se justificam, por se tratar de uma fábula) e outro problema, talvez seja Isabel Zuaa não sustentar a dramaturgia necessária ao protagonismo de Clara. Incrível como sua atuação é destoante ao longo dos 135 minutos de película (duração excessiva, por sinal).

A fábula de terror também se metamorfoseia, explorando o gênero musical. Há passagens que funcionam bem como a que Ana interpreta a canção "Fome" ou  Cida Moreira (Dona Amélia) canta "Ode à Fraternidade". Já as cenas em que "Canção da Travessia" e "Canção da Espera" são entoadas, respectivamente, por Naloana Lima (moradora de rua) e Isabel Zuaa e Cida Moreira e Zuaa, parecem longas e meio deslocadas.

O elenco mirim também é irregular. As performances de Miguel Lobo (Joel) e Nina Medeiros (Amanda) oscilam entre o convincente e o excessivamente forçado (sobretudo nos diálogos decorados e pouco interpretados). Aliás, os diretores que exploraram com destreza a tensão na primeira parte do filme, negligenciaram-na na segunda parte, deixando, talvez, de obter resultados surpreendentes com o núcleo infantil, a partir do medo do desconhecido.

Há um desequilíbrio também no resultado obtido a partir dos efeitos especiais. O uso do CGI deixa a desejar em alguns momentos, sobretudo na sequência do  bebê engatinhando, da perseguição no shopping e na cena final (para alguns, apoteótica (??)). São falhas que terminam comprometendo o resultado do filme que surge com uma proposta interessante- o de um filme de terror brasileiro bem realizado, com uma "pegada" de crítica social- mas que na ânsia de agradar a um público mais amplo, cambaleia entre os campos minados do fantástico, terror, "terrir" e musical.

Um comentário:

Unknown disse...

Concordo em gênero, número e grau. Kkkkkkkkkkk
Bjooo...
Paulo.