Só dorme em pé. Nunca tinha ficado doente para saber como é se erguer do chão. E era um milagre, chegar aos trinta sem ter ficado enfermo uma única vez, apesar da vida dura que levava. Quando o patrão "dava na telha" , tinha o domingo de descanso. Mas esse mimo, parecia bissexto. Esse dia até passava mais rápido do que os outro seis, que pegava cedo no batente, e só parava quando o sol ia descansar também.
Companheira ainda não tinha arranjado e com o tempo escasso para se divertir, achava meio difícil constituir família. Era até melhor assim, pois uma boca mal alimentada já era muito. E por falar em comida, pelo sol aprumado, a dieta ia chegar logo, logo. A mesma refeição todos os dias, podia ser "Dia Santo" ou não, sem direito a "uma gracinha". Às vezes mais, às vezes menos... Não podia repetir, mesmo que não estivese satisfeito. Bebia muita água depois, para ver se enganava o bucho corroído.
Fazia muito calor naquele dia. Um dia de folia, por sinal. Chamavam aquilo de Carnaval, mas ele era o que menos se divertia. Muito barulho nas ruas, mais do que o habitual e aquele buzinaço lhe feria os tímpanos. Sua audição era super sensível, mais acurada que sua visão. E talvez por conta disso foi que o acidente aconteceu.
Não conhecia aquele destino. Nunca havia passado por ali, nas suas andanças diárias. Era mais longo que de costume e o peso nas costas já estava lhe fatigando. Viu alguns de seus pares numa espécie de fila indiana e decidiu acompanhar. Achava que era mais seguro por ali, seguindo aquela proteção lateral, que não acabava mais nunca. De lá do alto avistou uma imensidão de água, que só fez lembrar que a sede já passava da conta.
De repente escureceu, que ele nem se atentou, que já devia estar descansando. Mas porque aquele dia era diferente de todos os outros, o sono talvez nem viesse. Foi quando estava pensando nisso, que sentiu uma pancada seca do lado. Tombou de imediato. Enquanto se esvaia, o dono só chegou perto para tirar o que ainda estava intacto da carroça que transportava. Não conseguia identificar ninguém e sua vista, que não era lá essas coisas, começou a ver embaçado. Sangrou até morrer. E ninguém rezou. Nem lhe deu um funeral digno. O único conforto foi que morreu deitado. Não sabia como aquela sensação era boa. Mas como tudo que é bom, dura pouco, não iria senti-la nunca mais.
Texto: Suyene Correia
Um comentário:
Coitado do cavalinho!
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