quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Orgulho de Ser Qui-lom-bo-la

Still do filme "Caixa D'Água: Qui-lombo é esse ?"


O auditório do Museu da Gente Sergipana mais uma vez não deu conta de receber, confortavelmente, o público que compareceu ontem, à noite, para o lançamento dos cinco curtas-metragens contemplados pelo Edital de Apoio a Obras Audiovisuais da Secretaria de Estado da Cultura. Várias pessoas ficaram em pé por mais de duas horas (tendo em vista o atraso de uma hora para o início da programação, acrescido do tempo de projeção dos filmes), mas pela reação da plateia, a cada término da exibição, valeu a pena esperar para ver “Luzeiro” de Raphael Borges; “Tudo Vai Ficar Bem” de Cleiton Lobo; “Aracajoubert” de Jade Leonardo”; “Hotel Palace” de André Aragão e “Caixa D’Água: Qui- Lombo é Esse ?” de Everlane Moraes.

Se comparados às produções realizadas há cinco anos, quando a Prefeitura Municipal de Aracaju também contemplou cinco projetos, através de um Edital de Apoio ao Audiovisual, os filmes de hoje mostram um amadurecimento técnico e artístico, ainda que, em alguns casos, o quesito roteiro, precise de maior dedicação pelos argumentistas.

Prova de que as oficinas e cursos ministrados no Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira (NPDOV) não foram em vão; que o interesse e disposição dos alunos do curso de Audiovisual da UFS em colocar a “mão na câmera” está surtindo um efeito positivo; que o intercâmbio com profissionais da área de cinema (seja lá fora, aprendendo com eles ou quando estes vêm filmar em nosso território) tem contribuído para o progresso profissional desses jovens diretores.

Mas se aliado a isso tudo, não houvesse também o aporte financeiro do poder público, certamente não nos depararíamos com produções tecnicamente e esteticamente mais bem cuidadas (as cenas iniciais de “Luzeiro” e “Hotel Palace” são bons exemplos disso). Portanto, que a perenidade do Edital de Apoio a Obras Audiovisuais não passe de uma promessa. Torne-se, de fato, real. O cinema sergipano agradece.

Sobre os filmes, que é o real objetivo dessa postagem, tenho que confessar que me emocionei com o filme de Everlane Moraes. Emoção por ver um produto genuinamente sergipano de tal qualidade. Sem excessos, maneirismos... Um filme honesto: nos depoimentos, na proposta, no realizar. 


Era Irmão entoando a canção que fez para sua comunidade, naquela imagem raríssima de arquivo, de um programa da TV Aperipê, e as lágrimas rolando pelo meu rosto. Elas continuaram a rolar até que o rap do próprio Irmão terminasse de embalar os créditos finais de “Caixa D’Água: Qui- Lombo é Esse ?”. É filme para ganhar prêmio pelos festivais brasileiros, quiçá estrangeiros.

Sua grandiosidade se estabelece por várias razões, sobretudo pela fuga da óbvia fórmula de se fazer docs, da pesquisa de campo feito pela diretora, da equipe técnica que a acompanhou na produção e pós-produção, dos personagens enfocados. Não é à toa, que o filme foi ovacionado após a projeção. Esperemos a “Caixa D’Água” transbordar...

O outro filme do gênero documentário- “Aracajoubert”- é totalmente o oposto de “Caixa D’Água: Qui-lombo é Esse ?” na sua concepção. A câmera percorre o ateliê do do artista Joubert Moraes, espreitando sua produção e flagrando-o em ação. Mas o sustentáculo do roteiro se faz através dos depoimentos de amigos e admiradores, além do alinhavo com imagens de arquivo. É uma bela homenagem da filha Jade Leonardo ao pai, expoente das artes plásticas no Estado. Um filme correto, passional, mas sem arrojo. Se a diretora não quis arriscar, paciência!!

Em “Hotel Palace” de André Aragão, misto de documentário com ficção, percebi uma tentativa de “sair do mesmo”, mas que resultou num filme apático. Há momentos brilhantes no filme, como a tomada área de Aracaju, logo no início da projeção; uma breve volta ao passado, com a direção de arte mostrando a que veio e a cena em que o servente explica ao jornalista sobre a criação do painel de Jenner Augusto, que decorava o restaurante do hotel e hoje, encontra-se no Teatro Atheneu.

Mas também há percalços: a não identificação dos entrevistados (a escolha de alguns, inclusive, parece ter sido uma coincidência proposital); o número de ilusionismo (não entendi no contexto do roteiro) e talvez a maior falha do filme tenha sido uma recusa em colocar o “dedo na ferida”: afinal de contas, o que o governo irá fazer com aquele mausoléu? Se isso é discutido na versão do diretor, que seja logo exibida.

Aliás, Raphael Borges também teve problema com a duração do seu filme. Quinze minutos mostrou-se insuficiente para “Luzeiro”. Seria injusto eu tecer maiores comentários sobre um filme que não terminou, ali na exibição de ontem. O pouco que vi, no entanto, demonstra que não foram inúteis as horas que “Mingau” dedicou aos estudos na Academia Internacional de Cinema em São Paulo.

Pelo contrário, o talento nato e lapidado de Raphael faz-se presente nas cenas noturnas, da casa de farinha e da feira. Destaque também para a atriz Angélica Amorim e os atores que vivem respectivamente, o feirante e o candidato a prefeito. Amadores ou profissionais, eles têm muita afinidade com a câmera.

Esse também não é o problema dos atores Flávio Porto, Carlos Augusto Lima e Leandro Handel. Carlos (Guilherme) e Leandro (Pedro) parecem até um casal de verdade, tamanha a naturalidade com que se beijavam nas cenas mais tórridas. Flávio Porto (Francisco), experiente ator de teatro, mostra que a câmera não o intimida e se formos avaliar o quesito interpretação, ele é quem segura a trama.

Carlos pouco fala, mas beija muito. Seu jeito de cafajeste diante de Francisco é perfeito. Leandro me parece ser um problema, sobretudo quando tem que sustentar um breve monólogo, próximo ao The End. A cena exige dramaticidade que ele não consegue imprimir.

Mas o grande problema do filme é o roteiro. Talvez, por conta de sua fragilidade é que optaram por uma narrativa não-linear, com muita informação subtendida. Os poucos diálogos, contudo, são primários e não consegui encontrar o sentido da poesia de Fernando Pessoa no meio daquela história claudicante.

Se a equipe se mostra eficiente na fotografia (as duas panorâmicas e a cena da piscina são belíssimas),  direção de arte e no som, necessita de um maior estudo no que tange à concepção do roteiro. Esse quesito é uma “pedra no sapato” do cinema nacional, que aos poucos vem dando sinais de avanço. No que diz respeito ao cinema local, a jornada ainda será árdua.

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