quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Simplesmente...JOÃO

João W. Nery_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
Quem compareceu , ontem, à tarde, no auditório da Sociedade Semear, deve ter ficado extasiado (a) com a palestra de João W. Nery, primeiro transhomem do país.

Sincero, contundente, sensato e bem articulado, João contou um pouco sobre sua trajetória de vida, onde a palavra de ordem foi : perseverança.

O que seria de sua vida, hoje, caso não houvesse tomado a decisão de mudar a sua identidade (de Joana/para João) ? Difícil responder, mas provavelmente, ele seria muito infeliz.  Não que  tenha tido uma vida fácil, pelo contrário, mas antes homem com cicatrizes, que mulher com "invasores".

Sua explanação de quase uma hora foi apenas um refresco. O público queria mais. Ele disse então, que poderiam conhecer outros detalhes de sua vida, adquirindo o livro "Viagem Solitária- Memórias de um Transexual Trinta Anos Depois" publicado pela LeYa (à venda na Escariz). Mas o barato era ouvi-lo, entremeando entre um episódio e outro, de seus 62 anos bem vividos, opiniões sobre a questão da transexualidade no Brasil  e no mundo.
João W. Nery_foto de Suyene Correia 
Bastante simpático à Teoria Queer, João compartilha com o pensamento de que a orientação e a identidade sexual ou de gênero dos indivíduos, é resultado de um constructo social. Para ele, “o gênero é o destino”. E seria interessante se as escolas de várias partes do mundo (sobretudo as do Brasil) adotasse o método de não generificação dos brinquedos, desde o maternal, como fazem instituições de ensino da Suécia e Austrália.  

“Meu filho brincava com o que ele queria, quando criança. De bola, de carrinho, de boneca...Ele optou pela heterossexualidade, mas se fosse gay, se fosse trans, para mim, não faria a menor diferença. O importante é que ele seja feliz com sua escolha”. 
Ele criticou duramente a nossa sociedade que impõe certos padrões e classificações e fez até uma brincadeira: “as mulheres são de Vênus, os homens são de Marte e eu ? Sou de que planeta ?”

Em “Viagem Solitária- Memórias de um Transexual Trinta Anos Depois”, João W. Nery faz uma releitura de sua própria história, já que em 1984, publicou pela Editora Record, “Erro de Pessoa: João ou Joana?” ( esgotado) em que fazia um périplo da sua infância até o momento das cirurgias.
A nova publicação vai mais além, abarcando o período dos últimos 27 anos, tempo em que João experimentou a paternidade, envelheceu e hoje, tem que lidar com as consequências de uma reposição hormonal a longo prazo (ele desenvolveu uma artrose, que culminou com cirurgias nos quadris e na coluna lombar).

João Nery_foto Suyene Correia_http://bangalocult.blogspot.com
Dividido em quatro partes, “Desencontros”, “Descobertas”, “Metamorfose” e “Paternidade”, o livro escrito pelo primeiro transhomem do país é uma lição de vida, perseverança e generosidade. À medida que folheamos as 334 páginas, o escritor nos permite adentrar em sua intimidade, conhecendo de perto suas angústias, alegrias, coragem, mas acima de tudo, revelando um ser humano de uma tenacidade incrível.

Impossível não se emocionar com o capítulo “O Que Fazer com o Meu Passado” em que ele descreve o primeiro encontro que teve com os pais, em Brasília, depois das cirurgias transformadoras ou mesmo “O Futuro no Colo”, em que ele narra a alegria de ser pai (hoje seu filho Yuri está com 25 anos).

Mas também há passagens divertidas como no capítulo “Reencontro de Cobaias”, em que João convida outros amigos transhomens, a passar um final de semana em sua casa, a fim de trocarem experiências de vida. Sem dúvida, parafraseando Antônio Houaiss, que escreveu o prefácio de “Erro de Pessoa”, “este é um livro múltiplo que fala ao leitor romanesco, ao policialesco, ao sexista, ao sadista, ao masoquista, ao realista, ao experimentalista, ao transexualista, ao metassexualista, em resumo, a todos os seres humanos que leem. Leiam-no e humanizem-se”.

"Viagem Solitária" é um ótimo presente para um amigo, neste Natal, independente de qual gênero ele for.

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