quinta-feira, 10 de março de 2011

"Poesia" X "Tio Boonmee"


Dando continuidade à apreciação dos filmes vistos em Sampa, neste carnaval, digo que se apenas tivesse assistido a "Poesia" de Lee Chang-dong, já teria valido a pena a viagem. Infelizmente, o júri de Cannes deveria estar de ressaca, quando concedeu a Palma de Ouro a "Tio Boonmee Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas" de Apichatpong Weerasethakul e deu a "Poesia" apenas o prêmio de Melhor Roteiro.
O filme sul-coreano é infinitamente melhor do que o tailandês, mas como ninguém sabe ao certo o que se passa na cabeça desses jurados...paciência. Voltando a "Poesia", é mais um filme da Coréia do Sul que só corrobora o quanto a cinematografia daquele país anda em alta. 

Sensível, sem ser piegas, o longa concentra-se na personagem Mija ( Jeong-hee Yoon), que descobre que está com o Mal de Alzheimer, mas antes que sua memória falhe de vez, ela decide fazer um curso de composição poética. A partir do momento que começa a observar o mundo com um olhar aguçado, descobre que há poesia em tudo que a rodeia, ao mesmo tempo em que se depara com a crueldade e alienação do ser humano, incluindo aí, seu próprio neto.

Quando é procurada pelo pai de um dos colegas do neto e fica sabendo que ele, juntamente, com outros cinco garotos vinham estuprando uma adolescente do mesmo colégio, levando-a ao suicídio, Mija não tem outra alternativa, a não ser,  aderir ao "sistema" da corrupção, do capitalismo selvagem, da impunidade.

Mas será que ela resistirá até o final, alienada ao meio ? É aí, onde se encontra o trunfo de "Poesia", uma vez que acometida pela doença e pelos lapsos de memória, não sabemos até que ponto a personagem está de fato, a par da realidade ou alheia a ela. E com o talento de saber conduzir uma história como essa, misturando sentimentos tão ambíguos, é que Lee Chang-dong consegue presentear o espectador com obra tão marcante e sublime.

Na contramão, está o jovem Apichatpong com seu deplorável filme "Tio Boonmee....". Afinal de contas, o que este filme tem demais (ou de menos) que eu não conseguir captar ? O tio em questão sofre de insuficiência renal e está com seus dias de vida contados. Decide então, se refugiar na floresta, afastando-se do centro urbano, a fim de se conciliar com a natureza e fazer uma espécie de retiro sensorial.

O problema, ao meu ver, é que Apichatpong não consegue fisgar o espectador como faz o peixe com a princesa, na cena da cachoeira. A intenção de mostrar que quando estamos no fim da linha, a melhor opção pode ser a aproximação com a natureza mais selvagem, aquela intocada, próxima de nossa essência, é das melhores, porém o resultado sofrível.

Tirando a bela cena da caverna, cujo interior mimetiza um céu estrelado e o início do filme, que mostra um  búfalo (reencarnação do Tio ?) explorando uma típica floresta tropical asiática, "Tio Boonmee Que pode Recordar Suas Vidas Passadas" é um daqueles delírios de cineasta com muita estrada ainda para trilhar que, erroneamente, foi incensado pela crítica. Lamentável!
Legenda da Foto 1: Mija se inspira na natureza para compor seu primeiro poema

Legenda da Foto 2: Tio Boonmee em reunião familiar

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