sábado, 20 de outubro de 2018

42a Mostra Internacional de Cinema de SP- SEGUNDO DIA


Matt Dillon de volta à telona vivendo Jack, um serial killer

O dia foi agitado. Cinco filmes, sendo o primeiro deles, o mais novo trabalho de Lars Von Trier. O que dizer de "A Casa Que Jack Construiu?" Provavelmente, o filme em que o diretor dinamarquês destila o seu cinismo de forma mais contundente, chegando a criticar a inoperância do Estado e a conivência da sociedade, a partir do modus operandi do engenheiro e serial killer, Jack, interpretado pelo inexpressivo Matt Dillon (com a mesma cara talhada de "Drugstore Cowboy" (1989), só que mais enrugada).

Durante 12 anos, Jack matou algumas dezenas de pessoas, sem deixar vestígio algum. Enquanto ele conta suas peripécias sanguinárias para o misterioso Virgílio (Bruno Ganz), vamos nos familiarizando com suas obsessões, pulsões, habilidades e fraquezas. Em cada um dos cinco capítulos (nomeados de "incidentes") em que a história é dividida, vemos Jack abordar suas vítimas de forma cada vez mais ousada, testando os limites de sua sorte, na intenção de não ser descoberto pelas autoridades policiais. 

Enquanto vai descrevendo suas perversões, Jack não deixa de delinear sua personalidade macabra (revelando experiências vividas na infância) e seu gosto pela arte (discute com Virgílio sobre arquitetura, pintura e música como poucos). Querendo ser um virtuose na "arte de matar", Jack vai aprimorando sua técnica. Seus requintes de crueldade vão se intensificando, mas em compensação, sua mente, cada vez mais doentia, deixa brechas para a atuação da polícia e uma possível captura.

Nesse ponto, a trama já adentrou no epílogo e saberemos qual o destino do labirinto escuro que Jack e Virgílio estão percorrendo. A partir daqui, Lars Von Trier patina em terreno escorregadio, equilibrando-se, vez por outra (a exemplo de quando mostra a criação dos mitos pela sociedade) e caindo de queixo no chão (quando faz autorreferência). 

Esperava filme mais indigesto (baseando-se na repercussão que o filme teve em Cannes), mas Von Trier opta em criar situações de carnificina tão patéticas, que não consegui levá-lo a sério. A exceção fica por conta do terceiro Incidente. Destoa do resto do filme, aproximando-se da realidade, mas sendo, desnecessariamente, apelativa. Von Trier só consegue nos impactar usando golpe baixo. Uma pena!!

Ainda que em "A Casa Que Jack Construiu" Lars Von Trier esteja longe de sua genialidade dos tempos de "Ondas do Destino", "Dançando no Escuro" e "O Anti-Cristo", se você tiver um tempo na agenda, não deixe de conferi-lo. Ele será exibido em cinco ocasiões diferentes até o encerramento do evento.

Sobre os outros quatro títulos conferidos ao longo do dia- "Querido Ex", A Balsa", "O Alfabeto Greenway" e "A Guerra de Anna", tecerei comentários (por enquanto) sobre o segundo. Surpreendi-me com o documentário e primeiro longa , "A Balsa", do diretor sueco Marcus Lindeen. Não conhecia o experimento feito pelo antropólogo mexicano Santiago Genovés, que após passar pelo trauma de um sequestro num avião, em 1972, decide executar um experimento, num grupo de 10 pessoas (cinco homens e cinco mulheres) para testar a partir de situações de stress, questões como violência, sexo e comportamento em grupo.

Para isso, Santiago mandou construir uma balsa, sem motor e com dimensões suficientes para abrigar 11 passageiros ( ele, incluso), a fim de realizar uma viagem de três meses, saindo do Porto de Las Palmas (Espanha) até o México. Colocou um anúncio no jornal e selecionou os voluntários, que incluía um fotógrafo japonês (Elsuki Yamaki), uma capitã sueca (Maria Bjornstan), uma médica israelense (Edna Jonas), um padre angolano (Bernardo Bongo), um antropólogo uruguaio (José María Pérez), entre outros. 

Nem tudo saiu como Santiago planejou. Ele ficou doente durante a viagem e o resultado do experimento contrariou suas expectativas. Para transformar essa história em produto audiovisual, o diretor sueco Lindeen valeu-se do diário de Santiago Genovés transformado no livro "Acali", além do amplo registro imagético, produzido pelo fotógrafo japonês, como base para a narrativa. Aliado a isso, reuniu sete dos 11 sobreviventes, numa réplica da balsa construída em estúdio e os entrevistou.

Recentemente, o documentário brasileiro "Torre das Donzelas" de Susanna Lira reconstruiu em estúdio, parte do interior da prisão, em que militantes políticas foram encarceradas, durante a Ditadura Militar brasileira. A experiência trouxe à tona, lembranças adormecidas. Efeito similar aconteceu com os passageiros de "A Balsa".  O interessante é que, tanto em um filme, quanto no outro, apesar da disparidade existente entre os motivos que levaram esses personagens ao confinamento, o resultado foi similar: solidariedade, harmonia, paz.

"A Balsa" ainda será exibido mais três veze (hoje, dia 22 e dia 27/10), dentro da programação da 42a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


Crédito da Foto: Christian Geisnaes

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