quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Shin Dong-seok Acerta na Estreia Enquanto Ki-duk se Perde no Espaço

Em "A Última Criança", casal tenta lidar com a perda do filho


Coincidentemente, ontem, assisti a dois filmes sul-coreanos: "Humano, Espaço, Tempo, Humano" de Kim Ki-duk e "A Última Criança" de Shin Dong-seok. Quem me conhece, sabe o quanto admiro o cinema de Ki-duk e ainda que reconheça a intermitência com que ele acerta nas suas escolhas, quando a Mostra de Cinema de São Paulo lança um novo título, coloco na minha lista, sem pestanejar.

Foi assim com "Humano, Espaço, Tempo, Humano", em que ele escolhe um microcosmos- um navio de passageiros de perfis diversos que, inexplicavelmente, começa a flutuar sobre as nuvens- para projetar o futuro (presente?) da humanidade, a partir de uma situação limite, movido pelo poder, corrupção, ódio, mas também com espaço para a prática da solidariedade e exercício da ética. No centro da trama, encontram-se um casal em lua-de-mel, um senador e seu filho, algumas prostitutas, os tripulantes do navio e um grupo de bandidos, além de um senhor misterioso, que pratica ações, aparentemente, sem sentido, mas que vão ser cruciais, no desenvolvimento da trama.

A premissa de testar os limites da natureza humana num grupo tão heterogêneo e num espaço de confinamento, fazendo-nos acompanhar as reações de cada um, à medida que vão sendo cada vez mais oprimidos, é interessante (e já vimos isso dando certo em outros títulos), o problema é que Ki-duk  conduz sua fábula de uma maneira tão primária (as interpretações são péssimas), desinteressante (a narrativa gira em círculos) e sem o menor cuidado estético (inclusive!), que não tem como embarcar nessa viagem. Um filme equivocado, cheio de pretensões e vazio de sentido. Totalmente perdido no tempo e espaço!! 

Graças a Shi Dong-seok, com seu "A Última Criança" voltei a sorrir e respirei aliviada, no resto da tarde. O filme funciona por três razões básicas: um roteiro bem estruturado, o elenco afiado e a direção precisa de Dong-seok. No cerne da questão, o casal Sungcheol (Choi Moo-seong) e Misook (Kim Yeo-jin) tenta lidar com a perda do filho, Euchan, que morreu afogado há seis meses, após  salvar a vida do jovem Kihyun (Seong Yu-bin).

Ao mesmo tempo, alvo de perseguição por alguns colegas, Kihyun deixa de frequentar a escola, começa a trabalhar  numa casa de fast food e após um problema com o patrão, pede ajuda a Sungcheol, proprietário de uma loja de decoração. O homem não hesita em ensinar ao garoto seu ofício de colocar papel de parede e o incentiva a se profissionalizar. Não tarda, Misook se aproxima de Kihyun e, ambos, afeiçoam-se por ele, numa tentativa de preenchimento do vazio afetivo. 

Mas nem tudo é o que parece. Ao mesmo tempo em que Euchan é homenageado como herói na pequena cidade que vivia e os pais doam a vultosa indenização para a escola em que o filho estudava, uma nova versão do fato surge, confrontando com a "verdade". No mesmo instante em que  os pais de Euchan se desestabilizam com a novidade, a plateia se estremece na poltrona. Se num primeiro momento, o efeito de identificação com a nova família que está por se formar, dá-se pela sutileza dos gestos, olhares e sentimentos contidos dos personagens (mérito dos atores), no momento seguinte, há uma dilaceração desses arranjos afetuosos, fazendo com que a reação de Sungcheol e Misook, de início díspare, convirja para uma mesma solução.

A favor de "A Última Criança", o tempo, milimetricamente, ajustado das ações; a astúcia com que Dong-seok elaborou o roteiro; o domínio cênico dos atores Moo-seong, Yeo-jin e Yu-bin. Contra, o tempo que esperamos pelo clímax. 

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