quarta-feira, 31 de outubro de 2018

"Las Sandinistas!" e "Uma Mulher em Guerra": Mulheres Militantes e Revolucionárias

Las Sandinistas!_http://bangalocult.blogspot.com
"Las Sandinistas!" aborda a ação das guerrilheiras nicaraguenses


Uma Mulher em Guerra_http://bangalocult.blogspot.com
Halla (Sigurdarson) é maestrina, ambientalista e mãe em "Uma Mulher Em Guerra"


Dos 40 filmes vistos, nessa 42ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, dois estrangeiros representam bem a força da militância feminina: o documentário norte-americano “Las Sandinistas!” dirigido por Jenny Murray e a ficção islandesa “Uma Mulher em Guerra” de Benedikt Erlingsson.

O documentário parte de imagens de arquivos e entrevistas atuais para traçar o perfil de algumas mulheres guerrilheiras e revolucionárias da Nicarágua, que faziam parte da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), durante a década de 1970, tendo como destaque, Dora Maria Téllez, Mônica Baltodano, Gioconda Belli, entre outras. 

A FSLN foi um partido político socialista, criado no início da década de 1960, em oposição ao governo ditatorial de Anastásio Somoza Debayle, sendo que, em 1979, um grupo de 25 guerrilheiros (dentre as líderes estava Dora Maria), invade o Palácio do Governo e estabelece o fim do poder da família Somoza, iniciado em 1936, pelo patriarca Anastásio Somoza García.

Os Sandinistas ficaram no poder até 1990, sendo a Nicarágua governada por uma Junta Provisória de 1980 a 1984 e de 1985 a 1990, o sandinista Daniel Ortega tornou-se presidente eleito do país da América Central. Durante o período da Junta Provisória, uma série de ações socialistas aconteceu no país, com o intuito de combater o atraso econômico. Muitas dessas guerrilheiras contribuíram com essas ações, ocupando cargos políticos.

O filme mostra a força da mulher nicaraguense, independente de classe social, raça e nível intelectual, todas lutando por um ideal: o de ver o seu país livre da ditadura e com políticas sociais visando a redistribuição de renda, promoção da saúde e da educação. Se no início, as mulheres pegaram em armas, depois utilizaram os livros, a oratória para combater o autoritarismo que vigora até hoje, com o regime de Daniel Ortega (ex-líder revolucionário, cuja forma de governo passa ao largo das ideias sandinistas originais). 

Feministas na sua essência, algumas dessas mulheres moram no exterior, mas não esquecem do país natal e lutam para que grupos vulneráveis nicaraguenses tenham seus direitos preservados. Ainda que siga um formato tradicional de documentário- baseado em entrevistas e imagens de arquivo- “Las Sandinistas!” é um filme fundamental, na medida em que contribui para que parte da história da Nicarágua não seja esquecida, apagada. 

Coincidentemente, a história escrita pelas mulheres combativas que a sociedade baseada no patriarcado, faz questão de ignorar.

Já a ficção islandesa "Uma Mulher Em Guerra" destaca-se pela força da personagem e pela  narrativa ágil e inteligente. Essa  produção confirma a boa safra de filmes recentes do país nórdico insular europeu, a exemplo de “Desajustados” de Dagur Kári, “Ovelha Negra” de Grímur Hákonarson e “Pardais” de Rúnar Rúnarsson (todos esses títulos foram exibidos na 39ª Mostra de Cinema de São Paulo).

No filme de Erlingsson, indicado pela Islândia a concorrer a uma vaga no Oscar 2019, na categoria Filme Estrangeiro, Halla (Jalldóra Geirharosdottir) é uma mulher na casa dos 50 anos, solteira, professora de canto e ambientalista. Contrária ao funcionamento de uma usina de alumínio no seu país, Halla age como um lobo solitário, usando métodos de sabotagem, no intuito de barrar o funcionamento da usina, uma parceria entre o governo chinês e de seu país.

Contando com alguns aliados para fugir da polícia, a exemplo de um ministro do governo, um “provável” primo distante (Jóhann Sigurdarson) e a irmã gêmea, Ása,  a ativista ambiental depara-se com uma questão bem peculiar: depois de quatro anos na fila para adotar uma criança estrangeira, eis que surge a oportunidade de tornar-se mãe de uma órfã bielorrussa. Halla estaria preparada para assumir o papel de mãe na atual conjuntura?

Com humor sutil de cunho crítico social -vide as aparições do turista e ciclista hispânico-, “Uma Mulher em Guerra” é uma grata surpresa, onde o realismo funde-se com o surrealismo, na medida certa- as aparições do trio musical e do coral russo, construindo a trilha musical, diegeticamente, são a melhor prova disso. Também tem como trunfo, a ótima atriz Jalldóra Geirharosdottir que interpreta de forma competente as irmãs gêmeas e as cenas de ação que são bem dirigidas e convencem pela verossimilhança. 

Um ótimo exemplar de filme de militância e feminismo sem ser pedante e apelativo.

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