segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"Ága" e "Culpa" fazem a Diferença no 4o Dia da Mostra de Cinema de SP


Asger (Jakob Cedergren) tenta manter a calma em "Culpa"


Ontem, foi o dia mais produtivo, até o momento, da 42a Mostra de Cinema de SP. Dos quatro filmes vistos- "O Intérprete", "Procurando Por Ingmar Bergman" (dedicarei outra postagem a esse filme), "Ága" e "Culpa"- só me frustrei com o primeiro. Penso que o diretor eslovaco Martin Sulík ficou no meio do caminho, entre o drama e a comédia e descambou para quase um melodrama ineficiente. O encontro de um judeu, que teve seus pais mortos num campo de concentração e o filho do oficial que os matou, poderia render um bom roteiro, mas as situações são, por vezes, mal construídas, outras, forçadas e não há como o espectador acreditar em tudo que a história teima em  querer demonstrar.   

Não é o caso de "Ága" do búlgaro Milko Lazarov. A premissa é simples: um casal de esquimós- Nanook (Mikhail Aprosimov) e Sedna (Feodosia Ivanova)- vive isolado na terra gélida do extremo norte do Globo Terrestre e, agora, passa por dificuldades, devido à idade avançada, a escassez de alimentos, a morte inexplicável de alguns animais e o aquecimento global.

Enquanto acompanhamos o cotidiano do casal, na sua rotina diária de sobrevivência, descobrimos o que, de fato, mais os incomoda: a filha Ága os abandonou e foi para o centro urbano, estudar e trabalhar. Essa atitude de rompimento com a tradição de seu povo, fez com que Nanook a ignorasse, desde então. Porém, vários acontecimentos levam-no a repensar sua atitude até seguir ao encontro com a filha.

Muito mais do que a exuberância da brancura do Ártico, captada pelas lentes do fotógrafo Kaloyan Bozhilov, o filme nos envolve pela naturalidade com que aborda temáticas como a ruptura dos jovens com a tradição dos antepassados; a relação do homem com seu habitat, do qual sobrevive; os impactos ao meio ambiente causados pela sociedade capitalista. Como se não bastasse, há uma entrega total dos atores, contribuindo para a total imersão na história por parte do espectador. 

Imersão parece ser a palavra-chave de "Culpa", filme escolhido pela Dinamarca para brigar por uma vaga na categoria de Filme Estrangeiro no Oscar de 2019. O thriller ambientado na central de atendimento da polícia militar de Copenhague, acompanha as últimas horas de um turno de plantão do policial Asger Holm  (Jakob Cedergren). Num dado momento, ele atende a ligação de uma mulher Iben (voz de Jessica Dinnage) que parece estar sendo sequestrada pelo ex-marido, Johan Olsen (voz de Michael).

A partir daí, Asger trava uma batalha contra o tempo para salvar a mulher e proteger os filhos dela, que estão sozinhos em casa. Porém, o genial da narrativa é que a tentativa de controlar a situação é toda feita através de ligações telefônicas, já que Asger Holm está afastado das ruas, depois de ter matado um jovem inocente. Aliás, ele deverá conduzir a situação com autocontrole, já que, no dia seguinte, passará por um julgamento, a fim de ser liberado para o trabalho externo novamente.

Não é comum vermos no cinema, preocupação com temas como o stress sofrido por policiais na ativa. O filme de Möller é certeiro nessa abordagem, fazendo-nos refletir sobre as condições de trabalho desses profissionais; o quanto eles são desassistidos por psicólogos ou psiquiatras; e como estamos protegidos com policiais nas circunstâncias em que se encontra Asger.

Seguindo a tradição de filmes de suspense dinamarqueses de excelência, a exemplo de "Sequestro" (2015) de Tobias Lindholm, "Culpa" faz jus a toda expectativa que se formou em torno dele nessa Mostra. O diretor Gustav Möller demonstra total habilidade em conduzir a tensão cênica, a partir do uso inteligente de closes no rosto do ator Jakob Cedergren (excelente!) captando a cada avanço ou recuo na operação de resgate, o medo, a frustração, a ira e o desespero e, também, na forma como utiliza (ou não) o som, elemento primordial na concepção dessa película.

"Culpa" é uma verdadeira aula de cinema na sua essência: roteiro bem construído,  direção precisa, interpretações convincentes. É o que "Por Um Fio" do Joel Schumacher almejou e não conseguiu alcançar. 

Nenhum comentário: