O rapaz era tímido que doía, só de olhar. Esguio, de cabelos negros desgrenhados e barba bem ralinha, como se ainda fosse impúbere, mirava o chão de tanto medo dos olhares alheios. Feio ele não era. Talvez aparando a franja e consertando a "corcunda" gerada pelo vício de postura, ele até chamasse a atenção da mulherada.
Se conseguissem mirar os olhos levemente esverdeados e adocicados do rapaz com certeza se encantariam. Difícil, porém, era alcançar essa proeza. O que seria capaz de fazer aquele garoto, deliciosamente misterioso, de androgenia latente, erguer a cabeça e fitar os olhos de outrem ?
Greg era o seu nome e estava prestes a completar 21 anos. Por incrível que pareça, apesar da idade, só tinha se barbeado umas cinco vezes na vida. E como destestava aquilo... Preferia deixar os pelos crescerem até o chão, do que passar por aquela experiência continuamente. Já tinham lhe indicado até cêra quente para fazer a depilação e ficar livre do sacrifício cortante, mas achava estranho o método e preferiu seguir até a farmácia para comprar um novo barbeador.
Ele vestiu uma camiseta monocromática, que pouco se destacava sobre a sua pele lânguida. Completou o look com uma bermuda de surfista- emprestada do irmão- e com um All Star bege desbotado. Apesar de não ter que andar mais que 300 metros para chegar ao seu destino, não optou pela confortabilidade de um calçado aberto. Não suportava sandálias. Odiava ir à praia também.
Seguiu a passos largos, afinal já era noite e aquelas cercanias inspiravam cuidados redobrados de atenção. Ao entrar na drogaria, dirigiu-se logo à sessão de aparelhos de barbear e escolheu o de preço intermediário. Tinha até refil custando mais que R$ 20. Decididamente, não fazia parte desse grupo de consumidores. Mas o coroa que estava à sua frente na fila, era adepto. Até se assustou quando ele se virou, inexplicavelmente, e puxou conversa.
- "Rapaz, essas giletes estão caras, não? Mas não tem jeito, é melhor pagar mais caro e surtir efeito, que comprar prestobarba que não presta, que deixa o rosto arranhando. Você é sortudo, tem poucos pelos. Deve comprar um desses a cada semestre". E soltou uma risada.
O jovem levantou o rosto meio que de lado, sem saber ao certo se o mirava e respondeu: - "É mais ou menos por aí...".
-"Esse jogo aqui, por exemplo, está custando R$ 22. Mas o investimento vale a pena. Tenho duas filhas pequenas e quando chego em casa, com o rosto sem estar lisinho, as meninas reclamam, não querem nem me abraçar".
"E o que eu tenho com isso? Esse cara deve ser pirado", pensou o rapaz. Mas enquanto metade de seus pensamentos iam para uma direção, a outra metade tomava um rumo inesperado. No fundo ele estava gostando daquele papo fútil. Ficou preocupado com os outros que lhe rodeavam, já que poderia estar dando "bandeira".
A fila não andava, mas nem ele e nem o coroa que exalava virilidade parecia estar preocupado com isso. Pensou até em trocar o tipo de barbeador que tinha escolhido. Só para não se arriscar em perder o lugar, decidiu levar aquele mesmo. Numa outra oportunidade, quem sabe...
-"Você mora aqui perto ?", perguntou o homem mais velho. "De repente te dou uma carona..."
Será que ele estava ouvindo direito? O cara estava oferecendo uma carona, assim, sem mais nem menos ? A fila andou. Chegou a vez do seu companheiro de prosa pagar o Mach 3 e ele sem saber se aceitava o convite. Começou uma sudorese nervosa pelo corpo e antes de dizer que "sim" para a carona, o quarentão se despediu abruptamente. Bateu levemente no seu ombro e disse "até qualquer dia desses".
Ele ficou paralisado, não emitiu nenhum som, tamanha a frustração. Antes, contudo, de oferecer o produto que estava em suas mãos para o funcionário do caixa, pediu um minuto e pegou um prestobarba similar ao que o coroa levara. Esqueceu o preço hiperinflacionado e apressou o passo até em casa.
Não via a hora de experimentar aquele novo produto de "alta eficiência". Mas do que o desejo de testá-lo, sua ânsia se devia à possibilidade de obter o resultado propagado pelo homem que conhecera há pouco.
Quem sabe um dia não se encontrariam novamente e ele discursaria sobre as propriedades daquele jogo de lâminas tríplice? Nunca mais se esqueceria daquela barba perfeita.
Texto: Suyene Correia
A fila não andava, mas nem ele e nem o coroa que exalava virilidade parecia estar preocupado com isso. Pensou até em trocar o tipo de barbeador que tinha escolhido. Só para não se arriscar em perder o lugar, decidiu levar aquele mesmo. Numa outra oportunidade, quem sabe...
-"Você mora aqui perto ?", perguntou o homem mais velho. "De repente te dou uma carona..."
Será que ele estava ouvindo direito? O cara estava oferecendo uma carona, assim, sem mais nem menos ? A fila andou. Chegou a vez do seu companheiro de prosa pagar o Mach 3 e ele sem saber se aceitava o convite. Começou uma sudorese nervosa pelo corpo e antes de dizer que "sim" para a carona, o quarentão se despediu abruptamente. Bateu levemente no seu ombro e disse "até qualquer dia desses".
Ele ficou paralisado, não emitiu nenhum som, tamanha a frustração. Antes, contudo, de oferecer o produto que estava em suas mãos para o funcionário do caixa, pediu um minuto e pegou um prestobarba similar ao que o coroa levara. Esqueceu o preço hiperinflacionado e apressou o passo até em casa.
Não via a hora de experimentar aquele novo produto de "alta eficiência". Mas do que o desejo de testá-lo, sua ânsia se devia à possibilidade de obter o resultado propagado pelo homem que conhecera há pouco.
Quem sabe um dia não se encontrariam novamente e ele discursaria sobre as propriedades daquele jogo de lâminas tríplice? Nunca mais se esqueceria daquela barba perfeita.
Texto: Suyene Correia
2 comentários:
Adorei o conto. O dia a dia sempre nos reserva surpresas, apenas ficar atento.
Nunca comprei, mas tô pensando seriamente em comprar um Maxi 3. Rsrs.
BRAVO!!!!!!!!!!
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